Discute a polêmica sobre a remuneração dos serviços apresentada no art. 3º do CDC. Apresenta os conceitos de fornecedor e consumidor e finaliza demonstrando a possibilidade de classificação do tomador de serviços gratuitos como consumidor. 1. Considerações Iniciais A lei nº 8078/90, conhecida como o Código de Defesa do Consumidor, foi criada com a finalidade de equilibrar as relações de consumo, onde segundo a visão do legislador o consumidor está sempre em uma situação desprivilegiada. A hipossuficiência do consumidor não pode ser entendida meramente pelo lado econômico, pois não necessariamente o consumidor será o pólo economicamente mais fraco, a hipossuficiência está localizada no campo técnico e científico, porque é o fornecedor quem domina o campo técnico e científico no qual o seu produto ou serviço está inserido. Este artigo tem o intuito de discutir o §2º, do artigo 3º que estabelece que os serviços devem ser remunerados, e demonstrar algumas possíveis respostas para a aplicação dos CDC sobre os serviços gratuitos. Antes de entrarmos no mérito da questão iremos apresentar os conceitos básicos sobre os pólos de uma relação de consumo. 2. Do Consumidor “Efetivamente, grande número de empresas têm tentado ver reconhecido no judiciário seu status de” consumidores “– destinatários finais – e fáticas, pois o sistema do CDC demonstrou ser um setor de excelência e eficiência do direito civil brasileiro, onde as soluções de mérito e de Justiça contratual realmente realizam-se. Apoiadas por advogados atualizados, as empresas tornam-se litigantes comuns a recorrer ao sistema do CDC para resolver seus problemas contratuais intercomerciais, deturpando, assim, o espírito protetivo do CDC e colocando em perigo a proteção do verdadeiro consumidor strictu sensu. A atual resposta mais clara da jurisprudência e a eventual atualização que o novo Código Civil trará ao sistema geral do Direito Civil e Comercial tendem a superar este problema inicial da introdução do CDC no ordenamento jurídico brasileiro”. [1] Além da definição dada pelo legislador no artigo 2º, o CDC apresenta outras três definições por equiparação o parágrafo único do art. 2º, o art. 17 e o art. 29. Art. 2° (...) Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. O parágrafo único do art. 2° equipara a consumidores todos aqueles que apesar de não terem adquirido ou utilizado o produto ou serviço àqueles que de alguma forma foram afetados à relação de consumo, e.g., vítimas de um acidente de trânsito causado em virtude de um defeito de fabricação de um veículo automotor. Art 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. O artigo 17 se encontra na Seção II que recebe o título Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço, e este por sua vez está inserido no Capítulo IV que possui o título Da Qualidade de Produtos e Serviços, da Prevenção e Reparação de Danos. Esta seção tem o intuito de responsabilizar o produtor, o fabricante, o importador, o construtor, nacional ou estrangeiro, além do comerciante, pelos produtos e serviços que estes colocam no mercado, esta seção possui a clara intenção de transferir todos os riscos da relação de consumo para os fornecedores. Na relação elencada na Seção II o comerciante é o que corre o menor risco entre os fornecedores, pois ele terá responsabilidade residual, isto é, no caso de não se localizar o fabricante, produtor ou importador do produto é que ele será responsabilizado pelos defeitos e vícios dos produtos. Art. 29 Para os fins deste Capítulo e do seguinte equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. Os capítulos que o artigo 29 faz referencia são o Capítulo V, que cuida das práticas comerciais, e o Capítulo VI que versa sobre a proteção do contrato. O Capítulo V engloba questões como a oferta dos produtos, da publicidade, das práticas abusivas, da cobrança das dívidas e dos bancos de dados e cadastro dos consumidores. Com isso todas as ilegalidades que os fornecedores venham a cometer nestes quesitos, equiparam as vítimas a consumidores, invertendo o ônus da prova, o que dificulta muito a defesa dos fornecedores.Sendo assim caso uma instituição financeira venha utilizar uma propaganda enganosa, ou um de seus prepostos ofereça um produto ou serviço em desacordo com os preceitos do CDC, as vítimas serão equiparadas ao consumidor do caput artigo 2º do CDC. 3. Fornecedor 4. Dos Serviços Gratuitos Segundo o entendimento da melhor doutrina remuneração é o recebimento de alguma vantagem, não necessariamente pecuniária, sendo assim, remuneração não é sinônimo de lucro, conseqüentemente, a remuneração citada no § 2º do artigo 3º, pode ocorrer de forma indireta. A remuneração indireta é a forma de pagamento onde o fornecedor recebe outras vantagens, diversas do pagamento direto através da entrega de um bem, como a realização futura de um negócio, a angariação de novos clientes, ou a divulgação de um produto ou marca. A poupança popular é um serviço gratuito clássico, pois não gera nenhum ônus ao consumidor, visto que este autoriza o banco a utilizar o dinheiro depositado em suas operações ativas, em troca do pagamento de juros sobre o valor depositado. A poupança popular é uma das formas mais baratas e eficientes que os bancos utilizam para captar de recursos, pois a remuneração que os bancos dão aos seus clientes é irrisória perto do lucro que estes auferem na utilização destes recursos, além disso, a poupança é uma porta de entrada para outros serviços oferecidos pelos bancos. Sendo assim, vimos que a maior parte dos serviços gratuitos oferecidos no mercado, na verdade, são remunerados de forma indireta, e como se não bastasse, o preço destes serviços estão embutidos nos outros serviços oferecidos pelos fornecedores. Não obstante estar demonstrado que os serviços gratuitos colocados no mercado pelas empresas com fim lucrativo serem sempre remunerados de forma indireta, ou por terem o seu preço embutido em outros serviços, os tomadores destes serviços podem ser classificados como consumidores pelos conceitos do parágrafo único do artigo 2º, do artigo 17, ou até pelo conceito do artigo 29.5. Conclusão O Código de Defesa do Consumidor foi criado com base na teoria da hipossuficiência do consumidor, com a finalidade de equilibrar as relações de consumo, trazendo regras mais benéficas do que aquelas apresentadas pelo Código Civil, tendo em vista que as relações consumeristas possuem características e necessidades próprias. No tocante a remuneração os serviços gratuitos oferecidos pelas empresas com fins lucrativos não são isentos de remuneração, pois a remuneração pela realização destes serviços ou acontece de forma indireta ou a remuneração está embutida em outro serviço. Quando for identificado que em uma prestação de serviço gratuita a presença de um consumidor e de um fornecedor, formando uma relação de consumo, surgirá a necessidade da aplicação das normas trazidas pelo CDC para equilibrar esta relação. Não obstante haja o entendimento de que o tomador de um serviço gratuito não esteja classificado como consumidor, ele estará protegido pelos conceitos de consumidor por equiparação, em virtude de defeitos, danos, vícios, tanto nos serviços como nas práticas comerciais dos fornecedores. Sendo assim, o tomador de uma prestação de serviço gratuito estará protegido pelo CDC por ser caracterizado como consumidor nos moldes do art. 3º ou será considerado consumidor por equiparação, nos moldes do parágrafo único do art. 2º, o art. 17 e o art. 29.NOTAS BIBLIOGRAFIA: BITTAR, Carlos Alberto, Direito do Consumidor: Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078 de 11 de setembro de 1990), Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1990. ed 4. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial, volume 3, São Paulo: Editora Saraiva, 2002. ed.3. MARQUES, Cláudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais, São Paulo, editora Revista dos Tribunais, 2002, 4ª ed. BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.Citações 1. Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais, 4ª ed., atual. e ampl., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002. |