Como se constitui o pensar filosófico

Pedro Menezes

Professor de Filosofia, Mestre em Ciências da Educação

Conhecimento filosófico é o tipo de conhecimento baseado na reflexão e construção de conceitos e ideias, a partir do uso do raciocínio lógico em busca do saber.

O conhecimento filosófico surgiu a partir do abandono da mitologia como forma de explicar a realidade. A curiosidade e a vontade de conhecer gerou a necessidade de desenvolver explicações lógicas e racionais a partir capacidade humana de refletir e criar conceitos e ideias.

O conhecimento filosófico utiliza-se da razão, mas dispensa a necessidade da verificação científica, visto que os seus objetos de estudo são os próprios conceitos.

A principal preocupação do conhecimento filosófico é questionar e encontrar respostas racionais para determinadas questões, mas não necessariamente comprovar algo. Neste sentido, pode-se afirmar que este modelo de conhecimento é crítico e especulativo.

Características do conhecimento filosófico

  • Sistemático: acredita que a base para a resolução das questões seja a reflexão orientada pela lógica;
  • Elucidativo: tenta entender os pensamentos, os conceitos, os problemas e demais situações da vida que são impossíveis de seres desvendados cientificamente;
  • Crítico: todas as informações devem ser profundamente analisadas e refletidas antes de serem levadas em consideração;
  • Especulativo: as conclusões são baseadas em hipóteses e possibilidades, devido ao uso de um conhecimento teórico puro.

Diferença entre conhecimento filosófico e conhecimento científico

O conhecimento científico é baseado nas experimentações, com a finalidade de atestar a veracidade e a validade de uma hipótese. Já o conhecimento filosófico também possuindo um caráter racional e lógico, mas não requer a necessidade de comprovação científica.

O conhecimento filosófico também pode ser compreendido como estando para além do pensamento teológico e o científico.

O conhecimento teológico consiste no modo de pensar e procurar o saber fundamentado nos princípios da fé, organizados em torno de uma doutrina religiosa.

Exemplo de conhecimento filosófico

O conhecimento filosófico difere das demais formas de conhecimento a partir de seu método. O mesmo tema pode ser explicado por teorias e fundamentos de ordens distintas, seguem alguns exemplos:

Tema: Origem do Mundo

  • Conhecimento filosófico - teorias lógicas e racionais que pudessem explicar o fenômeno, como determinar um elemento primordial que teria dado origem a tudo o que existe e pode ser observado. Essa abordagem está presente nos primeiros filósofos gregos, como: Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxímenes, Pitágoras, Heráclito, Parmênides e Demócrito.
  • Conhecimento mítico - o pensamento mítico era baseado na crença em narrativas sobre os mitos, trazendo explicações baseadas nas relações com os deuses.
  • Conhecimento religioso (teológico) - modelo de conhecimento fundamentado na crença (fé) e amparado pelas escrituras sagradas, reveladas diretamente ou por influência de Deus. Religiões como o cristianismo, o judaísmo e o islamismo compartilham um conhecimento para a origem, entendida como criação, do mundo, chamada de Gênesis.
  • Conhecimento científico - conhecimento fundamentado em métodos de recolha, análises de dados, experimentação, que resultam em teorias validadas e reconhecidas por pares (comunidade científica), como a teoria do big bang.

Tema: Ações humanas e a vida em sociedade

O tema das ações também pode ser estudado e desenvolvido a partir de diferentes abordagens conforme a base do conhecimento:

  • Conhecimento filosófico - a ética é o estudo dos princípios que regem as ações humanas em sua relação com o outro. Há, então um sistema de valores que determinam as ações humanas, suas possibilidades e o julgamento dessas ações. Alguns pensadores como Aristóteles, Spinoza, Kant, Hegel, Nietzsche, entre outros, desenvolveram teorias fundamentais para a compreensão dos valores que orientam as ações.
  • Conhecimento religioso - um dos conceitos fundamentais para se discutir as ações humanas a partir da perspectiva religiosa é o livre-arbítrio, a ideia de que mesmo que determinados por Deus, os seres humanos possuem a capacidade de agir livremente, de acordo com sua própria vontade.
  • Sociologia - as ações são estudadas a partir de seus elementos sociais e culturais.
  • Neurociência - estuda as ações a partir da análise da atividade do sistema nervoso e cérebro humano em sua relação com o meio.
  • Direito - as ações são estudadas a partir de um sistema jurídico orientado pela formulação de valores, normas e leis que orientam a vida social.

Ver também:

  • Conhecimento científico
  • Conhecimento religioso
  • Tipos de conhecimento

A filosofia não possui um conceito único. Em momentos diversos da história, muitos pensadores tentaram responder à pergunta “o que é filosofia?”. A dificuldade de uma resposta única surge da constatação de que essa atividade não manteve as mesmas características no decorrer dos séculos.

É uma forma diferenciada de pensar e agir que nos conduz a questionar racionalmente a nós mesmos e o que se constrói como resultado das ações humanas. Trata-se de ultrapassar a opinião e construir uma resposta a um problema, a saber, aquilo que é aceito por muitos, ou simplesmente assumido, mas que é falso ou que se mostrará incompleto ou superficial.

Veja também: Sociologia: um campo do saber muito relacionado com a filosofia

Quando e como surgiu a filosofia?

A atividade filosófica surgiu nas colônias gregas da Antiguidade, entre os séculos VII e V a.C.. O raciocínio que se caracterizou posteriormente como filosófico surgiu em oposição ao pensamento baseado nos mitos reunidos por Homero e Hesíodo. Pensadores como Xenófanes, Heráclito, Empédocles e outros deixaram de aceitar as explicações baseadas em deuses e heróis para investigar a natureza (o conceito em grego é physis) em busca de princípios que explicassem o todo da realidade. A aceitação passiva de verdades não comprováveis foi, assim, abandonada e iniciou-se uma busca por respostas com base em novas racionalizações

Como se constitui o pensar filosófico
As reflexões de Sócrates chegaram até nós por meio dos famosos diálogos de Platão.

Foi apenas no século V que essa atividade começou a se tornar conhecida, havendo o uso do verbo grego philosophein, que significa filosofar, para identificá-la. Fatores como o desenvolvimento das cidades, as relações comerciais com outros povos e a importância do debate na Atenas clássica favoreceram a ênfase no uso da razão e, consequentemente, a atividade filosófica entre os gregos.

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O que a filosofia estuda?

É possível questionar tudo o que se apresenta como verdade, como algo já estabelecido? Se sim, a atividade filosófica pode abordar qualquer assunto. Muitos dos temas com os quais os filósofos ocuparam-se estavam relacionados a situações ou assuntos que provocavam dúvidas ou despertavam curiosidade. Cada época teve um ou outro tema que esteve em debate e muitos deles receberam tratamento filosófico.

Um dos questionamentos que têm ocupado os filósofos desde a Antiguidade está relacionado à ética. Somos obrigados a ajudar as outras pessoas? Nossos valores morais são reflexos das sociedades em que vivemos? O agir genuinamente moral e não egoísta é possível?

Igualmente, preocupações sobre o conhecimento foram e são relevantes ainda hoje: como podemos fundamentar racionalmente o que acreditamos? Os sentidos são fonte segura de conhecimento? Há verdades inquestionáveis?

A validade das leis, a importância da arte e a origem das sociedades já foram temas investigados ao longo da história da filosofia. Esses e outros temas continuam a ser relevantes hoje, conduzindo-nos a novas perguntas ou a novas interpretações.

Como se constitui o pensar filosófico
Estudar filosofia não signifca acumular saberes, é um convite à compreensão de si e do mundo.

O pensamento filosófico sempre esteve relacionado com o desenvolvimento das ciências em geral, com a reflexão moral e as produções artísticas. O questionamento colocado não se limita em seu aspecto negativo, um desafio àquilo que é, mas abre a possibilidade de construção de novas compreensões. Ao se questionar sobre a vida, por exemplo, não se limita aos aspectos biológicos ou psicológicos, mas considerando-os, visa-se à outra dimensão, a saber, o sentido da própria existência.

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Períodos filosóficos e principais filósofos

Concordou-se em dividir a história da filosofia em quatro grandes períodos. A especificação cronológica não é o mais relevante, mas o modo próprio em que cada período abordou suas questões e entendeu o que seria fazer filosofia.

Os filósofos pré-socráticos foram os primeiros a colocar em questão a autoridade do pensamento mítico. O que restou de seu pensamento foram apenas fragmentos ou menções em escritos posteriores. Parmênides e Heráclito foram influentes na filosofia platônica e outros filósofos, como Pitágoras e Demócrito, influenciaram o desenvolvimento das ciências. Seus pensamentos são divididos nas seguintes escolas: jônica, eleata, pitagórica e os pluralistas.

Sócrates é o filósofo mais importante desse período, mas só conhecemos suas reflexões por meio dos diálogos escritos por Platão. As reflexões socráticas ampliaram os temas abordados pelos filósofos anteriores, substanciando a atitude crítica que conhecemos hoje como filosofia. É atribuída a Platão a famosa teoria das Ideias, segundo a qual o que é verdadeiro só pode ser alcançado pelo intelecto, pois temos acesso apenas a objetos corruptíveis pelos sentidos.

Aristóteles, discípulo de Platão, marcou o fim da era clássica da filosofia grega. Considerou que o conhecimento verdadeiro é abstrato, mas não dependeria de um acesso para além das coisas. Diferentemente de seu mestre, acreditava que as sensações seriam meios para alcançar o que há de essencial na realidade. É esse filósofo que propôs um pensamento mais sistematizado e estabeleceu as bases da lógica. A distinção entre essência e aparência é um tema comum a todo esse período.

Esse período ficou marcado por uma proximidade entre a religião vigente na Europa central e a fundamentação filosófica. Iniciou-se já no 1º século e é marcado pela tentativa de defesa ou explicação da fé cristã por meio da herança cultural greco-romana. Entre os pensadores importantes do primeiro período, chamado Patrística, temos Clemente de Alexandria, Tertuliano e outros, mas Agostinho de Hipona é o principal filósofo. Deus e a alma foram os temas de maior interesse para esse filósofo e o fato de ter escrito em primeira pessoa demonstra a importância da introspecção em sua obra.

A Escolástica, cujo auge esteve entre os séculos XI e XV, tem Tomás de Aquino como seu principal pensador. Conhecido pelas cinco provas de existência de Deus, baseou sua filosofia em Aristóteles e fez uma distinção importante entre essência e existência. Entre outros nomes importantes desse período, temos Pedro Abelardo e Anselmo de Cantuária. O período medieval também contou uma produção filosófica considerável no Oriente, sendo Averróis e Moisés Maimônides os principais pensadores.

O período moderno iniciou-se no século XV e representou um distanciamento das teorias e concepções medievais. A especificação das ciências e a Reforma Protestante são elementos culturais que indicam a importância da razão no avanço da humanidade. René Descartes, Francis Bacon, Thomas Hobbes, John Locke e David Hume são os principais filósofos. A fundamentação do conhecimento foi o principal tema filosófico desse período, cujas reflexões formaram as correntes do empirismo e do racionalismo.

O retorno ao pensamento clássico, dos gregos e romanos, e o retorno do humano como centro das reflexões identificaram o movimento renascentista. Foi nessa fase de transição que encontramos as novidades elaboradas por Nicolau Maquiavel e Michel de Montaigne. O iluminismo e seus desdobramentos imediatos, assim como uma tendência oposta, o romantismo, também pertencem a esse período.

Como se constitui o pensar filosófico
Nicolau Maquiavel é um grande nome da filosofia política da Idade Moderna. [1]

Immanuel Kant, François-Marie Arouet (Voltaire), Jean-Jacques Rousseau representam, junto a outros, o iluminismo, e Friedrich Schiller, Friedrich Hölderlin e Heinrich Heine e outros são aqueles que se opuseram aos excessos da ênfase na razão. O idealismo de Georg Wilhelm Hegel marcou o fim do período, com sua tentativa de sistematização do pensamento filosófico.

Classifica-se o pensamento filosófico posterior a Georg Wilhelm Hegel como sendo contemporâneo. A partir de desdobramentos e abandonos de propostas anteriores, surgiram inúmeras perspectivas novas. Arthur Schopenhauer valorizou a experiência estética no início do século XIX, em O mundo como Vontade e Representação (1818), enquanto Karl Marx apresentou suas críticas ao idealismo na segunda metade do mesmo século.

A hermenêutica tornou-se um novo campo de estudos filosóficos, com Friedrich Schleiermacher e Wilhelm Dilthey. Destacou-se também o pensamento pragmatista, elaborado por Charles Pierce, William James e outros.

Houve grande tendência de analisar a linguagem em busca de elucidações ou soluções para alguns problemas filosóficos, estabelecendo os estudos de Filosofia da Linguagem.  Essa corrente de pensamento iniciou-se com o pensamento denso e profundo de Friedrich Gottlob Frege na Alemanha e logo se estendeu para outros países. Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein são os primeiros herdeiros dessa proposta, que logo se consolidou como campo de investigação filosófico.

Edmund Husserl pretendeu estabelecer uma nova forma de fundamentar o conhecimento e superar as dificuldades do realismo e do idealismo ao propor que a consciência sempre visa a um objeto intencionalmente. Surgiu, assim, a fenomenologia, campo de estudo que estabeleceu muitas novidades não só em filosofia, mas em outros campos do saber.

Como se constitui o pensar filosófico
Husserl é o fundador da fenomenologia. [2]

O existencialismo foi outra forma de pensamento que influenciou o mundo do pós-guerra. Jean-Paul Sartre e Sören Kierkegaard são as principais referências, sendo o primeiro de vertente ateia e o segundo considerado cristão. Friedrich Nietzsche, com seu pensamento a golpes de martelo e seus aforismos, apresentou uma valorização da vida com todas as suas tristezas e alegrias.

Martin Heidegger é certamente um dos principais filósofos da segunda metade do século XX, com sua tentativa de estabelecer nova compreensão sobre o problema do ser. Sua proposta de que se deve compreender o mundo a partir do ser que somos estabeleceu uma nova abordagem para a ontologia.

O pensamento filosófico caracteriza-se por se distanciar de uma resposta apressada e insuficiente a qualquer assunto. Tende a abordar os assuntos de forma ampla e precisa, para que a investigação não se mostre falha posteriormente. A atenção a detalhes, a fundamentação lógica e a discussão conceitual são elementos presentes em toda produção filosófica.

Créditos das imagens

[1] Lorenzo Bartolini [domínio público]| Commons
[2] Psychiatrick [domínio público]| Commons