Quantos índios existem no Brasil

  • João Fellet - @joaofellet
  • Da BBC Brasil em Washington

Crédito, Thinkstock

Legenda da foto,

Pesquisa inédita do IBGE detalhou características de povos indígenas brasileiros

Há mais indígenas em São Paulo do que no Pará ou no Maranhão. O número de indígenas que moram em áreas urbanas brasileiras está diminuindo, mas crescendo em aldeias e no campo. O percentual de índios que falam uma língua nativa é seis vezes maior entre os que moram em terras indígenas do que entre os que vivem em cidades.

As conclusões integram o mais detalhado estudo já feito pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre os povos indígenas brasileiros, baseado no Censo de 2010 e lançado nesta semana.

Segundo o instituto, há cerca de 900 mil índios no Brasil, que se dividem entre 305 etnias e falam ao menos 274 línguas. Os dados fazem do Brasil um dos países com maior diversidade sociocultural do planeta. Em comparação, em todo o continente europeu, há cerca de 140 línguas autóctones, segundo um estudo publicado em 2011 pelo Instituto de História Europeia.

No "Caderno Temático: Populações Indígenas", o IBGE faz um mapeamento inédito sobre a localização desses povos e sua movimentação ao longo das últimas décadas.

O estudo diz que, entre 2000 e 2010, os percentuais de indígenas brasileiros que vivem nas regiões Sul e Sudeste caíram, enquanto cresceram nas outras regiões. A região Norte abriga a maior parcela de índios brasileiros (37,4%), seguida pelo Nordeste (25,5%), Centro-Oeste (16%), Sudeste (12%) e Sul (9,2%).

Entre 2000 e 2010, também caiu o percentual de indígenas que moram em áreas urbanas, movimento contrário ao do restante da população nacional.

Segundo a pesquisadora do IBGE Nilza Pereira, autora do texto que acompanha o estudo, uma das hipóteses para a redução no percentual de indígenas no Sul, Sudeste e em cidades são os movimentos de retorno a terras tradicionais.

Nas últimas décadas, intensificaram-se no país as chamadas "retomadas", quando indígenas retornam às regiões de origem e reivindicam a demarcação desses territórios. Em alguns pontos, como no Nordeste e em Mato Grosso do Sul, muitos ainda aguardam a regularização das áreas, em processos conflituosos e contestados judicialmente.

Em outros casos, indígenas podem ter retornado a terras que tiveram sua demarcação concluída. Hoje 57,7% dos índios brasileiros vivem em terras indígenas.

Outra possibilidade, segundo Pereira, é que no Sul, Sudeste e nas cidades muitas pessoas que se declaravam como indígenas tenham deixado de fazê-lo.

Ainda que sua população indígena esteja em declínio, a cidade de São Paulo ocupa o quarto lugar na lista de municípios brasileiros com mais índios, com 13 mil. Parte do grupo vive em aldeias dos povos Guarani Mbya nos arredores da cidade, em territórios ainda em processo de demarcação.

O ranking é encabeçado por São Gabriel da Cachoeira, no noroeste do Amazonas. O município abriga 29 mil indígenas e foi o primeiro do país a aprovar como línguas oficiais, além do português, três idiomas nativos (tukano, baniwa e nheengatu).

O estudo mostra como morar numa terra indígena influencia os indicadores socioculturais dos povos. Entre os índios que residem nessas áreas, 57,3% falam ao menos uma língua nativa, índice que cai para 9,7% entre indígenas que moram em cidades.

Mesmo no Sul, região de intensa colonização e ocupação territorial, 67,5% dos índios que vivem em terras indígenas falam uma língua nativa, número só inferior ao da região Centro-Oeste (72,4%).

A taxa de fecundidade entre mulheres que moram em terras indígenas também é significativamente maior que entre as que vivem em cidades. Em terras indígenas, há 74 crianças de 0 a 4 anos para cada 100 mulheres, enquanto nas cidades há apenas 20.

Para Nilza Pereira, do IBGE, ao mostrar detalhes sobre indígenas de diferentes pontos do país, o estudo será útil para o planejamento de políticas públicas diferenciadas para esses povos. Os dados também foram usados na elaboração de vários mapas, que compõem o "Atlas Nacional do Brasil Milton Santos".

Legenda da foto,

Indígenas vêm retornando às regiões de origem para reivindicar demarcação de territórios

O ativista indígena Denilson Baniwa, cofundador da Rádio Yandê, diz à BBC Brasil que o estudo ajuda a combater a falta de conhecimento sobre os povos indígenas no Brasil.

Baniwa, que mora no Rio de Janeiro e é publicitário, diz se deparar frequentemente com pessoas que acham que "o indígena ainda é aquele de 1500". Segundo o ativista, muitos questionam por que ele se considera indígena mesmo falando português ou usando o computador em seu trabalho.

"Respondo que cultura não é algo estático, que ela vai se adaptando com o tempo. E pergunto a eles por que não vestem as mesmas roupas usadas pelos portugueses em 1500, por que não falam aquele mesmo português e por que não usam computadores de 1995."

Legenda da foto,

Cofundador da Rádio Yandê, Denilson Baniwa diz que há 'grande' desconhecimento sobre diferenças culturais entre povos indígenas

Para Baniwa, há ainda grande desconhecimento sobre as enormes diferenças culturais entre os povos indígenas brasileiros. Ele exemplifica citando dois povos de sua terra natal (a região do rio Negro, no Amazonas), os baniwa e os tukano.

"Comparar um baniwa a um tukano é como comparar um francês a um japonês. São povos com línguas, hábitos e características físicas bastantes distintas, e isso porque vivem bem próximos. Imagine a diferença entre um baniwa e um kaingang, um povo lá do Rio Grande do Sul?"

Ao mesmo tempo em que combate o preconceito contra indígenas que, como ele, moram em cidades, Baniwa afirma que cada povo deve ser livre para decidir como quer se relacionar com o resto da sociedade.

"Se um povo entender que o contato com o mundo moderno não será benéfico e que prefere ficar mais isolado em sua terra, vamos lutar para que essa decisão seja respeitada."

A população indígena existente hoje no Brasil é de cerca de 250 mil indivíduos, distribuídos em 200 grupos étnicos, responsáveis pela diversidade de mais de 170 línguas. Estima-se que quando Pedro Alvares Cabral chegou ao Brasil, em 1500, eles somavam de dois a cinco milhões de pessoas. Muitos povos desapareceram, mas nos últimos anos a situação tem se invertido, com os índios se organizando e tendo contato com o restante da sociedade brasileira sem perder as suas identidades culturais.

Mas muitos grupos na Amazônia ainda estão isolados, mostrando como são diversas as realidades dos povos indígenas brasileiros. Este projeto temático aborda algumas dessas realidades e contribui para um melhor entendimento da situação indígena do país. A seguir, um pouco da história dos povos que estão na pesquisa, a partir de informações constantes da publicação Povos Indígenas do Amapá e Norte do Pará, feita para a Exposição Semana do Índio, Macapá, abril de 1997

Zo’é – Os avós dos 150 índios contatados em 1987 (embora a Funai soubesse da existência desses índios desde 1976), certamente conheciam o homem branco e resolveram se refugiar num local de difícil acesso no norte do Pará. Há muitos anos, eles tinham contatos esporádicos com castanheiros e gateiros (intermediários de mão-de-obra) em quem conseguiram impor medo com suas flechas, além de conquistar os primeiros machados de ferro. Atualmente, apenas dois meninos falam português. O restante dos membros, que se dividem em quatro aldeias, fala uma língua do tronco Tupi.

Wai-Wai – Povo que fala uma língua do tronco Caribe e vive, atualmente, no Pará, na divisa com o Estado do Amazonas. É um povo que migra muito. Nos anos 40, esses índios saíram das terras paraenses e foram para a Guiana (antiga Guiana Inglesa). Vinte anos depois, voltaram para o Pará e hoje seguem para o Estado de Roraima.

Yanomamis – É o grupo indígena mais estudado, com amplitude internacional, por franceses, ingleses, americanos, brasileiros e venezuelanos. São 150 aldeias no Brasil e 100 na Venezuela. O projeto temático vai abordar as influências externas na prática do xamanismo (contato com espíritos) exercido pelos pagés .

Waiãpi – Falante de uma língua do tronco Tupi, esse povo vive nos dois lados da fronteira do Brasil (Amapá) com a Guiana Francesa. Extremamente organizados, os Waiãpi fazem planos para se fortalecer com a exploração de seus recursos naturais. O garimpo e o plantio de cupuaçu e pupunha estão incorporados de forma sazonal às atividades de algumas aldeias, que têm organização autônoma e descentralizada.

Wayana – Existem aldeias desses índios no Parque Indígena do Tumucumaque, na divisa do Pará com o Amapá, no Suriname e na Guiana Francesa. No Brasil, somam cerca de 400 índios, que falam uma língua Caribe. Há cerca de 100 anos, eles aprendem a conviver com outros segmentos da sociedade nacional, buscando garantir sua integridade étnica. Atualmente, desenvolvem trabalhos nas área de saúde e educação junto com a Funai, pesquisadores e governo do Amapá.

Tiriyó – No Brasil, habitam o noroeste do Parque Indígena de Tumucumaque, no norte do Pará. Mas suas aldeias se espalham também além da fronteira, no Suriname. São ao todo 1.700 indivíduos. Falam uma língua do tronco Caribe. Vivendo em uma região de difícil acesso, eles não sofreram o avanço de frentes extrativistas, pastoris ou agrícolas. No Brasil, eles têm contato apenas com quatro missionários franciscanos e alguns militares da FAB que fazem vistorias e permanecem no posto de fronteira.

Galibi – São 1.400 pessoas, que vivem numa região plana e de savana às margens do rio Uaça, no norte do Amapá. São descendentes de várias etnias Caribe e Aruaque. Hoje falam o patuá, uma língua de comunicação com os outros povos da região, que é uma mistura do francês e línguas africanas faladas pelos escravos. Produzem grandes quantidades de farinha e constróem barcos. Têm vida comunitária estruturada com orientações do cacique e dos conselheiros.

Karipuna – Vivem na bacia do Rio Curipi, na região do Oiapoque, ocupando várias aldeias desde o início do século 19. Os antepassados falavam uma língua Tupi, mas hoje, além do português, adotam o patuá.

Palikur – Mencionados desde o início do século 17 pelos primeiros portugueses que chegaram à região. Estão divididos entre o Brasil, onde vivem 780 índios instalados às margens do rio Urukuá, e na Guiana Francesa, ao longo do rio Oiapoque, nas cercanias da capital, Caiena, e da cidade de Saint Georges. Os Palikur falam uma língua do grupo Aruaque, além do português, do francês e do patuá. Grande parte desse povo freqüenta a igreja evangélica Assembléia de Deus.

Republicar

Última postagem

Tag