Por que a guerra continuou no Pacífico

Conflitos entre EUA e Japão marcaram final da Segunda Guerra Mundial U.S. Navy/Handout via REUTERS

Um dos eventos mais importantes da história da humanidade, a Segunda Guerra Mundial acabou há 75 anos, depois que os Estados Unidos atacaram as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki em 6 e 9 de agosto de 1945, forçando o Japão, o último país do Eixo que continuava na guerra, a se render.

Nos 6 anos em que a guerra aconteceu, de 1939 a 1945, o território europeu foi destruído e entre 60 a 85 milhões de pessoas foram mortas. Até hoje, a Segunda Guerra é considerada o evento com o maior número de fatalidades da história e também marcou o começo da corrida nuclear, depois dos ataques ao Japão.

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A guerra teve dois “fins”. O da Europa veio em maio de 1945, com o suicídio de Adolf Hitler, líder nazista na Alemanha, a rendição alemã e a saída da Itália fascista do conflito.  A paz no front do Pacífico chegou três meses depois.

Mesmo vendo os dois aliados fortes saindo da guerra, o Japão decidiu continuar lutando e queria estender a guerra o máximo possível, explica o professor de Relações Internacionais da ESPM, Alexandre Uehara.

“Um fator para a guerra na Ásia ter demorado um pouco mais é pela determinação do governo japonês, dos soldados e da população de levar a guerra até o seu final, de fato”, diz o professor.

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“O Japão tinha interesse em manter o conflito e causar o maior número de baixas possível contra as forças aliadas, em especial os EUA, porque o governo japonês queria manter o território chinês sob seu domínio, mesmo depois do fim da Segunda Guerra”.

Em 6 de agosto de 1945, os EUA jogam uma bomba atômica em Hiroshima Mitsugi Kishida/Teppei Kishida/Hiroshima Peace Memorial Museum/Handout via Reuters - 6.8.1945

O moral japonês para a Guerra estava alto, mesmo depois de sucessivas derrotas e um enfraquecimento depois de 1942, porque o país vinha desde o século 19 vencendo todas as guerras em que entrava, como a Guerra com a China e uma com a Rússia. Os japoneses também tinham lutado ao lado dos aliados que venceram a Primeira Guerra Mundial.

Depois que a guerra na Europa acabou, os ataques continuaram na Ásia e os aliados conseguiram conquistar territórios importantes para orquestrar a derrubada do Japão, como a invasão russa da Manchúria em agosto e a guerra de Okinawa, entre abril e junho de 1945, que garantiram que os EUA tivessem um ponto estratégico no Japão. Pelo menos 200 mil pessoas morreram no conflito.

Batalha em Okinawa matou cerca de 200 mil pessoas U.S. National Archives/Handout via REUTERS - 18.5.1945

De todas as derrotas no campo de batalha japonesas, as mais graves foram, sem dúvida, os ataques com bombas atômicas nas cidades de Hiroshima, no dia 6 de agosto de 1945, e em Nagasaki, em 9 de agosto de 1945. Os ataques orquestrados pelos Estados Unidos foram os primeiros ataques com bombas do tipo na história e deram início a uma corrida nuclear que continua preocupando o mundo até hoje.

A bomba lançada em Hiroshima matou pelo menos 140 mil pessoas, enquanto em Nagasaki estima-se que o número de mortos chegue a 74 mil. Com a gravidade dos ataques, o governo japonês assinou a rendição dias depois dos ataques e a Segunda Guerra Mundial terminou oficialmente.

Segundo o professor Alexandre Uehara, os Estados Unidos tinham algumas cidades na lista de possíveis alvos, que foram escolhidos a partir das condições climáticas e o número de habitantes. A cidade de Kyoto chegou a ser cogitada, “mas em função da sua riqueza histórica e cultura, ela foi tirada da lista”.

No dia 9 de agosto de 1945, Nagasaki foi atacada Department of Energy/Lawrence Berkeley National Laboratory/Handout via REUTERS - 17.3.1948

Histórias não oficiais dizem que o ataque a Nagasaki não era necessário e que a bomba lançada em Hiroshima foi suficiente para mostrar o poder dos EUA, mas no primeiro ataque não foi possível tirar uma foto. 

“Então a segunda bomba acabou sendo lançada para que esse registro fotográfico pudesse ser feito para mostrar e demonstrar ao mundo o poderio norte-americano”, diz o professor.

Apesar dos rumores, existem fotos que mostram a nuvem gerada durante a explosão da bomba atômica em Hiroshima e em Nagasaki.

Foto registra momento que bomba caiu em Hiroshima U.S. Army Air Forces/Library of Congress/Handout via REUTERS - 6.8.1945

Foto mostra tamanho da nuvem formada por bomba em Nagasaki U.S. Army Air Forces/Library of Congress/Handout via REUTERS - 9.8.1945

Depois dos ataques, o poder e influência dos Estados Unidos na Ásia cresceu.

A parte leste do continente estava começando a conhecer o comunismo e implementar o sistema em seus governos, algo que os EUA lutou para evitar no mundo inteiro, além do fato de que os Estados Unidos não queriam dividir o território japonês com nenhum dos países vencedores.

A oposição dos Estados Unidos ao comunismo faria com que o país encontrasse seu novo rival, a União Soviética, e passasse as próximas décadas pós-guerra trocando farpas com o antigo bloco.

Presença americana na Ásia passa sensação de 'estabilidade' U.S. Navy/Handout via REUTERS - 1942

Além das questões ideológicas, os países asiáticos se sentiam mais seguros sabendo que os EUA, o agora país mais poderoso e importante do mundo, estava presente na região, e poderia suprimir novas investidas japonesas pelo resto do continente.

“Toda a região ali se sentia mais segura com a presença dos EUA na região sendo responsável pela garantia da estabilidade”, explica o professor.

Com uma eventual saída americana, o Japão teria que reforçar a sua força militar, o que “geraria um desconforto muito grande e uma insegurança nos países vizinhos”, diz Uehara.

A visão de que os EUA manteria a Ásia segura continua até hoje, com o avanço econômico e tecnológico chinês.

Tropas americanas celebram a primeira rendição incondicional da Alemanha que entrou em vigor no dia 8 de maio de 1945. Para evitar a possibilidade de uma rendição ilegítima, Joseph Stalin, o líder da então URSS, organizou uma segunda rendição no dia seguinte.

Fotografia por Hulton-Deutsch Collection, Corbis, Getty

No dia 7 de maio de 1945, a Alemanha rendeu-se incondicionalmente aos Aliados em Reims, França, acabando assim com a Segunda Guerra Mundial e com o Terceiro Reich.

Ou será que isto aconteceu em Berlim no dia 9 de maio?

Por que a guerra continuou no Pacífico

Ambas as datas estão corretas. Devido às ideologias de guerra, às disputas entre a União Soviética e os seus aliados e ao legado deixado pela Primeira Guerra Mundial, a Alemanha rendeu-se efetivamente duas vezes.

Como a vitória dos Aliados parecia cada vez mais certa em 1944 e 1945, os Estados Unidos, a URSS, a França e o Reino Unido debateram ideias sobre os termos de uma rendição alemã. Mas quando Adolf Hitler se suicidou num bunker em Berlim, no dia 30 de abril de 1945, e a sua ditadura terminou de forma sangrenta, ainda não se sabia ao certo como é que a assinatura da uma rendição militar ou política seria orquestrada.

Hitler designou Karl Dönitz, almirante naval e fervoroso defensor da ideologia nazi, para o suceder em caso de morte. Mas Dönitz não iria governar uma nova Alemanha, mas sim orquestrar a sua dissolução. Dönitz nomeou rapidamente Alfred Jodl, chefe da equipa de operações do Alto Comando das Forças Armadas, para negociar a rendição de todas as forças alemãs com o general Dwight D. Eisenhower.

Alfred Jodl, chefe alemão da equipa de operações do Alto Comando das Forças Armadas, assina um “Ato de Rendição Militar” incondicional e cessar-fogo no dia 7 de maio de 1945.

Fotografia por Universal History Archive, Universal Images Group, Getty

Dönitz tinha a esperança de que as negociações lhe dessem tempo suficiente para retirar o maior número possível de soldados e tropas alemãs do caminho do exército russo. E também esperava convencer os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França, países que desconfiavam da URSS, a virarem-se contra a União Soviética, para a Alemanha poder continuar a sua guerra nessa frente. Eisenhower percebeu o estratagema e insistiu para que Jodl assinasse um instrumento de rendição sem negociações.

No dia 7 de maio de 1945, Jodl assinou um “Ato de Rendição Militar” incondicional e um cessar-fogo que entraria em vigor às 23h01 – no horário padrão da Europa Central – do dia 8 de maio. Quando o líder soviético Joseph Stalin descobriu que a Alemanha tinha assinado uma rendição incondicional em Reims, ficou furioso. Stalin argumentou que, como a URSS tinha sacrificado o maior número de soldados e civis durante a guerra, devia ser o seu comandante militar mais importante a aceitar uma rendição da Alemanha, em vez do oficial soviético que testemunhou a assinatura em Reims. Stalin também se opôs à localização da assinatura: como Berlim era a capital do Terceiro Reich, devia ser esse o local da sua rendição.

Mas Stalin tinha uma terceira objeção – a de que Jodl não era o oficial militar com a patente mais elevada da Alemanha – que viria a reunir o consenso dos aliados, porque lembrou a todos como é que a assinatura do armistício que encerrou a Primeira Guerra Mundial ajudou a plantar as sementes para a guerra mundial que se seguiu.

Londrinos celebram a rendição da Alemanha no dia 8 de maio de 1945 – no dia anterior à segunda rendição final da Alemanha em Berlim. Pat Burgess, à esquerda, acenava com um jornal que anunciava a vitória dos Aliados, na esperança de que o seu marido regressasse depressa dos confrontos na Alemanha.

Fotografia por Reg Speller, FOX PHOTOS/HULTON ARCHIVE/GETTY (ESQUERDA) E PICTURE POST, HULTON ARCHIVE/GETTY (DIREITA)

Em 1918, no final da Primeira Guerra Mundial, o Império Alemão estava à beira da derrota e entrou em colapso, sendo substituído por uma república parlamentar. Matthias Erzberger, o novo Secretário de Estado, assinou o armistício de Compiègne, no qual a Alemanha se rendia incondicionalmente.

Esta rendição foi um choque para grande parte dos civis alemães, que tinham sido informados de que os seus militares estavam prestes a vencer. Assim, começaram a circular rumores de que o novo governo civil da Alemanha – e outros bodes expiatórios populares, como marxistas e judeus – tinha traído as forças armadas. Erzberger acabou por ser assassinado devido a estes rumores, que se tornaram comuns entre os membros do novo Partido Nazi que se consolidava para tomar o poder.

Stalin argumentou que a aceitação da rendição de Jodl em nome da Alemanha na Segunda Guerra Mundial podia abrir as portas para uma situação semelhante, pois Jodl tinha sido delegado por Dönitz, um chefe de estado civil. Preocupados com a possibilidade de a Alemanha insistir novamente na ilegitimidade da sua rendição, teria de ser o marechal de campo Wilhelm Keitel, comandante supremo de todas as forças alemãs, a assinar pessoalmente o documento. E assim os Aliados decidiram reencenar o processo de rendição.

No dia 8 de maio, Wilhelm Keitel dirigiu-se para Karlshorst, um subúrbio de Berlim, para assinar o documento na presença do marechal soviético Georgy Zhukov e de uma pequena delegação dos Aliados. Mas Keitel argumentou uma questão menor, na esperança de adicionar uma cláusula que concedesse às suas tropas um período de tolerância de pelo menos 12 horas, para garantir que recebiam as suas ordens de cessar-fogo, antes de enfrentarem quaisquer penalidades por continuarem a lutar. Georgy Zhukov acabou por oferecer a Keitel uma promessa verbal, mas não aceitou o pedido para adicionar a referida cláusula. Devido a este atraso, o documento só foi executado depois do início do cessar-fogo – e entretanto já era dia 9 de maio.

Até hoje, os russos comemoram o dia 9 de maio como o Dia da Vitória. A rendição de Reims só foi noticiada pela imprensa soviética um dia depois, algo que, de acordo com alguns observadores, prova que a segunda rendição foi uma jogada de propaganda orquestrada por Stalin, para poder reivindicar para si uma parte maior dos créditos pelo fim da guerra. Contudo, no resto do mundo, o Dia da Vitória na Europa é comemorado no dia 8 de maio, o dia em que o cessar-fogo estava oficialmente programado para começar.

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site nationalgeographic.com.