Tanto a reflexão quanto as práticas voltadas a responsabilidade

V TEMA - RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA

Responsabilidade social de empresas: análise qualitativa da opinião do empresariado nacional

Patrícia A. Tomei

PUC/RJ

1. INTRODUÇÃO

A questão da responsabilidade social da empresa, debatida constantemente tanto em meios académicos quanto empresariais, tem aumentado a preocupação e o grau de conscientização dos empresários sobre a necessidade de se analisar a forma pela qual a empresa pode interferir nos interesses conflitantes da sociedade, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida e a solução dos problemas de responsabilidade social.

O conceito "responsabilidade social de empressas" parte da premissa de que as organizações têm responsabilidade direta, e condições de abordar muitos problemas que afetam a sociedade.

Segundo este enfoque, acredita-se que tarefas, técnicas e recursos empregados por empresas para alcançar seus objetivos materiais podem estar voltados para a solução de problemas sociais; e que, a cada dia que passa, é maior a expectativa dos indivíduos e conseqüentemente a sua demanda quanto ao papel social a ser desempenhado por executivos e empresários.

Submetida a novos desafios, a uma turbulência ambiental em todo o seu sistema e à mudança de valores no mundo do trabalho, a gerência da empresa está entrando em uma nova fase.

No Brasil de hoje, vivemos um momento onde a emergência de um novo sindicalismo, menos passivo, alienado e atrelado ao poder, exige uma resposta da classe empresarial.

Esta resposta não deve invalidar o fato de que a finalidade da empresa é o lucro. Deve, entretanto, ampatibilizando a lucratividade com os objetivos operacionais e sociais.

No presente trabalho, através do levantamento das opiniões do empresariado nacional, estudar-se-ão os valores e a ideologia empresariais que se refletem em decisões e comportamentos administrativos, caracterizando em última instância.um novo estilo de gerência.

Para tanto o estudo foi tiividido em duas partes. Na primeira, introduziremos a idéia de responsabilidade social dos empresários, e na segunda será feita a análise dos dados coletados nas entrevistas.

Para a abordagem do conceito de responsabilidade social serão tangenáadas questões como: qual a definição de responsabilidade social (RS)? Qual o grau de ambigüidade (ou melhor, de "vangueness") da noção? Quais as dificuldades na operacionalização da questão? Como a auditoria social tem sido utilizada para solucionar os problemas de formulação de estratégias de responsabilidade social?

Para a abordagem das entrevistas, uma questão que permeia a análise refere-se aos fatores que poderiam facilitar ou dificultar a prática de responsabilidade social, isto é, verificar que tipo de empresário está mais propenso à adoção de uma atividade industrial compatível com os princípios da gerência socialmente responsável.

Para tanto, uma proposição preliminar leva à formulação de uma hipótese geral, adotada como pressuposto básico neste trabalho: grandes empresários tendem a praticar responsabilidade social mais do que pequenos e médios empresários

Este corte da amostra de entrevistados pelo tamanho tem como base informações coligidas, muitas vezes, em fontes outras que não as entrevistas formais ou a literatura pertinente, como o convívio com industriais, leitura de declarações de líderes empresariais à imprensa e, principalmente, a experiência acumulada em projetos de pesquisa desenvolvidos com o apoio do Centro Brasileiro de Apoio à Pequena e Média Empresa (Cebrae). Mais do que de forma intuitiva, nos parece bastante claro que não se pode falar da existência, no Brasil, de uma classe empresarial homogênea. Embora esta heterogeneidade não tenha suas origens apenas na questão de tamanho (e para tanto temos o exemplo, mais do que significativo, das diferenciações geográficas), acreditamos que esta variável é sem dúvida relevante e permite, dentro do caráter exploratório do estudo, inferências interessantes na comparação dos dois blocos de opiniões; dos grandes empresários, por um lado, e dos pequenos/médios, por outro, analisados nível intergrupal e intragrupal.

2. ASPECTOS METODOLÓGICOS

O caráter pioneiro do estudo definiu-o como um trabalho exploratório. Assim é que seu possível valor estará não na comprovação ou rejeição de pressupostos básicos mas, sim, em abrir caminhos e sugerir perspectivas para a análise gerencial da questão da responsabilidade social.

Para o desenho da pesquisa, idealizamos dois conjuntos de dados articulados entre si, na medida em que procuramos agrupá-los a fim de complementar a informação relevante para a análise.

Neste sentido, optamos por trabalhar de maneira qualitativa através de: a) levantamento bibliográfico e jornalístico; b) dados coletados em entrevistas em profundidade aplicadas a uma amostra de empresários.

2.1 Seleção da amostra

O critério utilizado na seleção da amostra de entrevistados não foi estatístico.

De fato, os industriais entrevistados não foram esòolhidos através de amostra probabilística, e as análises feitas prescindem de generalização estatística. Isto porque o estudo que se segue não é o resultado de uma "pesquisa de opinião" em que o rigor da amostra garante a segurança das generalizações.

Ao contrário, não elaboramos o trabalho a partir das opiniões dos empresários como reflexo de uma "mentalidade econômica". Procuramos analisar as condições estruturais que dão sentido às opiniões e explicam a v riedade e versatilidade de que se revestem na experiência cotidiana dos industriais. Mesmo quando procuramos caracterizar a mentalidade empresarial vigente e as práticas administrativas, o nexo científico da análise foi estabelecido em termos da adequação entre a situação concreta da existência econômica e a ação empresarial, e não entre um conjunto de atributos empresariais e a dispersão deste atributos, tal como aparecem empiricamente no conjunto de industriais.

Portanto, para a seleção da amostra, tivemos por base o crivo referente ao tamanho da empresa. Satisfizemos, assim, as exigências do pressuposto básico a ser testado e possibilitamos o esclarecimento de questões como: as questões sociais e as relações capital/trabalho no seio de organizações complexas podem ser tratadas de maneira uniforme para todo o universo empresarial? Pequenas, médias e grandes empresas impõem realidades suficientemente distintas que demandem modelos específicos de gerenciar a relação capital/trabalho? A proximidade de liderança gerencial/trabalhador em pequenas e médias empresas, que propicia no cotidiano o contato direto patrão/empregado, é condição suficiente para a administração democrática e eficaz das relações de trabalho? Haveria possibilidade de implementar uma diretriz ou uma política uniforme de gerenciar responsabilidade social que atendesse às necessidades de pequenas, médias e grandes empresas?

Com relação às áreas escolhidas para selecionar os informantes, o critério seguido foi o de assegurar probabilidades maiores para que ocorressem experiências empresariais diversificadas. Incluímos, assim, indústrias que se desenvolvem num meio social como o do Nordeste, onde o patrimonialismo ainda é forte e as tendências modemizadoras começam a pressionar; industriais de Curitiba e Campinas, onde, embora sejam marcantes as influências dos grandes centros urbanos vizinhos, ainda são encontrados traços típicos de provincianismo; indústrias da região do ABC, onde, no período em que foram colhidos os dados, (primeiro semestre de 1980), as consecutivas greves de metalúrgicos pressionavam a abordagem e gerência da responsabilidade social como prática do cotidiano; e, por fim, indústrias localizadas no Rio de Janeiro e São Paulo (capital), onde o "desenvolvimento industrial espontâneo" e o vigor do processo de industrialização tomam a escolha da área indispensável.

Não pretendemos, contudo, fazer uma analise comparativa, muito menos assumir uma perspectiva que valoriza as diversidades sócio-culturais dos fatores que' interferem no comportamento empresarial de cada uma das áreas. Ao contrário, usamos com grande liberdade as informações colhidas nas diversas áreas, sem nos prender a seus traços comuns e à possibilidade de originar subgrupos dentro da amostra de entrevistados, compondo com elas um pano de fundo para a análise.

Resta mencionar que, no processo de seleção da amostra, centralizamos os esforços na simplificação das etapas da pesquisa e no incremento da probabilidade de assegurar resultados não triviais. De qualquer forma, as lacunas ou limitações que podem ser detectadas a partir destas escolhas, quando reconhecidas, podem representar áreas de pesquisas futuras.

2.2 Perfil da amostra

Quanto ao perfil da amostra propriamente dito, temos que:

a) a maioria dos empresários entrevistados se constitui de proprietários de organizações de pequeno e médio porte, segundo limites estabelecidos no faturamento anual, número de empregados e capital social das empresas. Foram realizados, ao todo, 45 entrevistas com pequenos e médios empresários de diversos setores da economia, escolhidos aleatoriamente com base em listagens existentes no Iuperj.

b) a partir das listagens de grandes grupos nacionais, segundo volume de vendas e capital acionário da revista Exame de 1980, selecionamos 20 empresários cariocas de diversos setores da economia.

2.3 Entrevistas e roteiro de questões

As entrevistas, realizadas após contatos prévios com os respondentes, tiveram uma duração média de uma hora e trinta minutos, tendo sido gravadas na sua quase-totalidade. A receptividade dos empresários entrevistados foi bastante boa, sendo poucos os casos de empresários que se recusaram a colaborar, mais em função da alegação de falta de tempo do que propriamente pelo conteúdo dos quesitos.

Durante as entrevistas, procuramos deixar o empresário livre para emitir suas opiniões e abordar a questão da forma que achasse mais conveniente. Portanto, no roteiro pré-elaborado e reproduzido a seguir, temos apenas as questões básicas da entrevista. É importante enfatizar que este roteiro foi utilizado da forma mais elástica possível, permitindo, assim, captar amplamente as possíveis combinações de opiniões geradas por um assunto desta natureza.

São estas as questões básicas do roteiro: O que entende por papel da empresa na sociedade? O que entende por responsabilidade social do empresário? O senhor acha que as empresas têm uma responsabilidade com a sociedade? Qual seria esta responsabilidade? O que entende por programas de responsabilidade social? Estes programas são viáveis apenas para as grandes empresas? Qual a sua avaliação a respeito? Quais as áreas de responsabilidade social (poluição ambiental, política do consumidor, condições de trabalho atividades culturais e artísticas etc.) que deveriam ser consideradas prioritariamente no Brasil?

Finalmente, deve-se mencionar que abordaremos esta problemática social da empresa com primazia segundo a dimensão administrativa e gerencial, sendo os aspectos políticos e sindicais propriamente ditos apresentados apenas como componentes do quadro.

3. O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL

3.1 Definição de responsabilidade social

O conceito de responsabilidade social foi continuamente debatido, e alternadamente aceito e rejeitado, principalmente nos anos 60.

Uma discussão clássica sobre responsabilidade social define a questão como "a obrigação do empresário de adotar políticas, tomar decisões e acompanhar linhas de ação desejáveis segundo os objetivos e valores da sociedade".

Segundo Kugel, por exemplo, o desenvolvimento do conceito de responsabilidade social acompanhou a própria evolução dos numerosos programas de responsabilidade social estabelecidos pelas empresas americanas, isto é, segundo o autor, a experiência dos anos passados demonstra que a sensibilidade para, os problemas sociais foi institucionalizada. Os executivos passaram a aceitar a necessidade de realizar certas ações e procuraram fazer com que estas fossem componentes regulares das operações das empresas.

Esta concepção confirma a tese de que a responsabilidade social se tem caracterizado por pressões para tomar as empresas mais solidárias com os problemas da sociedade. Em outras palavras, segundo Davis e Fiftch, a origem da responsabilidade social se situa em propósitos de estabelecer meios para que a empresa possa se inserir mais adequadamente nas relações lógicas do sistema econômico, político e social em que deve atuar.

Mas, por outro lado, a idéia de que o conceito de responsabilidade social foi aparentemente institucionalizado pela sua operacionalização não invalida a constatação e constante discussão em tomo da problemática.

Esta discussão, iniciada principalmente pelos economistas - como Milton Friedman e Henry Manne - desenvolve-se basicamente em tomo de um enfoque conservador e um enfoque liberal.

Do ponto de .vista do conservador - do qual os dois economistas citados são defensores - o argumento básico é o de que os objetivos das empresas se restringem à alocação eficiente de recursos escassos na produção e distribuição de produtos/serviços numa economia de mercado livre.

Duas colocações de Friedman esclarecem seu raciocínio sobre a questão, "só há uma e apenas uma responsabilidade social da empresa: utilizar recursos (para produção) e còlocá4os em atividades a fim de maximizar lucros"; responsabilidade social é um comportamento antimaximização de lucros, assumido para beneficiar outros que não são acionistas da empresa". Proposições apresentadas por partidários desta corrente esclarecem a abordagem conservadora: nenhuma ação corporativa que não é tomada em favor de benefício claro e explícito de acionistas de uma empresa é insuficiente do ponto de vista de uma economia de mercado.

- existe uma, e somente uma responsabilidade da empresa: utilizar seus recursos e organizar suas atividades com o objetivo de aumentar seus lucros, seguindo as regras do jogo de mercado.

- a responsabilidade social da empresa é um custo adicional, uma taxa auto-imposta que necessariamente atinge os lucros e reduz a eficácia da empresa.

Do outro lado estão os advogados de responsabilidade social: aqueles que defendem a ampliação da indústria.

O centro básico de sua argumentação resume-se em: empresas devem aceitar responsabilidades sociais além das requeridas por lei, aceitando os custos a isto associados. Neste sentido, a ética de lucro como móvel único de uma organização é considerada inadequada, dando lugar a uma ética de responsabilidade social, em que conforme coloca Petit, "o fim da política de laissez faire e o advento da idéia de bem-estar geral contradizem a teoria da procura de interesses individuais e enfatizam a cooperação no lugar da competição, a interdependência social no lugar da fonte sobrenatural de arranjos econômicos e sociais".

Segundo esta ética, as empresas, além de meramente cumprirem as leis, devem agir no sentido de tentar satisfazer as novas demandas da sociedade, já que, conforme nos coloca Petit, "bens públicos, como ar e água puros, ruas seguras, melhores sistemas educacionais etc, são demandas que não podem ser satisfeitas pelas técnicas tradicionais de gerência empresarial com funções especificamente econômicas".

Assim sendo, a doutrina de responsabilidade social argumentada pelos liberais enfatiza que as empresas devem encorajar o desenvolvimento político e legal que versa a favor do interesse público.

Concluindo, resta mencionar que tanto o enfoque liberal quanto o enfoque conservador de responsabilidade social convergem nos conceitos fundamentais e objetivos de responsabilidade social. Responsabilidade social não é um objetivo antimercadológico, e sim uma forma também eficaz de alcançar e manter rentabilidade. A principal questão que ambos os enfoques abordam é a identificação do papel próprio que a legislação e a política pública devem desempenhar para cirar e manter um ambiente organizacional ótimo.

3.2 Grau de ambigüidade do conceito de responsabilidade social e dificuldade na sua operacionalização

Temos por exemplo, novamente, a definição de Bowen sobre responsabilidade social: "a obrigação do empresário de adotar políticas, tomar decisões e acompanhar linhas de ação desejáveis segundo os objetivos e valores da sociedade".

Devido ao seu caráter ambíguo, esta não é uma definição operacional. Quais são exatamente as "linhas de ação desejáveis" em termos de objetivos para nossa sociedade? Segundo a citação, está implícito que os empresários o sabem, mas isto é realmente válido? A falta de uma definição operacional leva os empresários a uma perplexidade quanto às suas responsabilidades sociais. O problema de vagueness, ou grau de ambigüidade, da noção de responsabilidade social se agrava na medida em que toda a questão é muito filosófica, isto é, de cunho ideológico, permitindo o desencadeamento de inúmeras perguntas, como: Qual a responsabilidade relativa da empresa com seus acionistas, empregados e executivos? Qual o grau de importância dos objetivos econômicos e sociais da empresa?

Em outras palavras, podemos constatar que na operacionalização do conceito de responsabilidade social se coloca uma primeira barreira: a noção de responsabilidade social se defronta em áreas-limite da ética e da moral absolutamente subjetivas.

O grau de ambigüidade da noção de responsabilidade social é de tamanha amplitude que são quase infinitos os pontos questionáveis dentro deste universo.

Um primeiro foco de conflito se coloca na questão de lucro. Conforme apresentamos, a noção de responsabilidade social traz consigo um indício de que os objetivos das empresas devem ser expressos em múltiplas dimensões, ampliando a perspectiva tradicional e única de maximização de lucros. Portanto, para se compatibüizar lucro com responsabilidade social é importante enfatizar que a definição de responsabilidade social não se coloca, de nenhuma forma, como uma questão de deixar de realizar lucros: responsabilidade social, quando analisada no seu sentido mais amplo, não é uma autotributação, uma oposição ao comportamento maximizador de lucros.

Este ponto, quando mal definido, constitui o principal argumento desfavorável à prática de responsabilidade social, transformando-se, assim, no alvo-mor do ataque dos partidários da clássica doutrina econômica de maximização de lucros.

Da idéia precedente, evoluímos para um segundo ponto importante: a dificuldade de operacionalização do conceito de responsabilidade social está relacionada com a árdua tarefa de estabelecer fronteiras para caracterizar uma ação sob o rótulo de responsabilidade social.

Esta problemática desponta em diversas direções, das quais se sobressaem: uma a nível interno, relacionada com a determinação dos objetivos privados da empresa, e outra a nível externo, referente a inserção ampla da empresa na sociedade. Neste sentido, surgem duas discussões clássicas na literatura organizacional: dentro do universo empresarial, o confronto proprietários-acionistas e executivos-gerentes; e, a nível macro, a definição da esfera de ação empresarial e da atuação do Estado. Estes agentes permitem inúmeras combinações, com limites e fronteiras diversas. E, no que toca à questão de responsabilidade social, para que sua operacionalização seja viável, é condição a congregação dos interesses destes grupos.

A formulação de programas' de responsabilidade social é um índex complexo, mesmo em organizações que sistematicamente procuram este tipo de programa.

Os defensores desta prática de responsabilidade social se baseiam nos seguintes argumentos. Inicialmente, temos a defesa do interesse da empresa a longo prazo e da imagem pública da empresa.

Este conceito pressupõe que a sociedade espera que as empresas, visando um retomo a longo prazo, realizem uma variedade de benefícios sociais. Assim, a empresa mais sensível às necessidades da comunidade terá como resultado uma comunidade melhor, onde será mais fácil a'própria gerência dos negócios. Com isto, por exemplo, o recrutamento de pessoal será facilitado, a qualidade da mao-de-obra se elevará, as taxas de rotatividade e absenteísmo se reduzirão etc. Este processo de melhoria social geraria, então, ciclos do gênero: numa esfera macro, os benefícios sociais a comunidade acarretariam uma redução da propriedade, melhoria na qualidade de vida, aumento do consumo etc. Este argumento pode ser entendido em diversas direções, demonstrando que uma sociedade melhor gera um ambiente melhor para as empresas.

Outro argumento, intimamente associado á idéia de a empresa satisfazer seus interesses a longo prazo, enfatiza o lado positivo da prática de responsabilidade social: a idéia de imagem pública. Toda empresa tem uma imagem pública que precisj. ser valorizada à medida que a firma procura incrementar seus consumidores, melhorar seus fornecedores e obter outros benefícios. Este tipo de comportamento é tradicional em empresas. Portanto, é fácil ampliar este conceito de imagem pública segundo a ótica da responsabilidade social, onde objetivos sociais são prioritários para com os membros da comunidade. Assim sendo, a empresa que deseja uma imagem pública favorável deve demonstrar que apoia estes objetivos sociais.

Em contrapartida, além da questão da maximização de lucros já comentada, inúmeros outros itens são apontados, desaconselhando qualquer implementação de programas de responsabilidade social. Entre estes merece destaque, inicialmente, a questão dos custos do envolvimento .social, que se baseia na proposição de que muitos objetivos sociais não se pagam por si sós, gerando uma situação antieconômica na medida em que alguém deve arcar com estas despesas.

Outro argumento desfavorável coloca que o envolvimento da empresa com objetivos sociais pode diluir a ênfase das organizações na produtividade econômica, dividindo os interesses das suas lideranças e enfraquecendo as empresas no mercado, o que resulta num enobrecimento tanto para a economia quanto para o seu papel social. Isto significa que a sociedade teria que arcar com menor produtividade e, portanto, o papel econômico das empresas na sociedade ficaria vago e ambíguo.

A conceituação da doutrina de responsabilidade social como "evasivo conceito. . . sobre o qual muitas palavras fúteis têm sido escritas", conforme descreveu Chamberlain e muitos outros autores, se fundamenta em críticas centralizadas na sua falta de substância, já que a doutrina falha no fornecimento de uma guia clara para a seleção de áreas apropriadas de atividades ou estabelecimento de objetivos e critérios de prioridades em relação a uma área particular.

Em outras palavras, as diversas respostas que dizem respeito ao vago sentido de responsabilidade social revelam a ausência de fronteiras para o alcance do desempenho gerencial, tanto no que diz respeito a áreas apropriadas

de atividades selecionadas quanto a decisões e ações tomadas.

3.3 Auditoria social

Conforme tem sido exaustivamente colocado, a prática de responsabilidade social é uma resposta dos empresáriosa demandas do ambiente organizacional.

Esta resposta é obtida com base nos recursos administrativos da empresa através de um processo de planejamento estratégico que atenda às necessidades do seu ambitente organizacional.

Para este planejamento estratégico é fundamental o levantamento de informações através de uma auditoria da situação da empresa (situation audit). A auditoria social (social audit) tem sido utilizada na execução e avaliação do planejamento estratégico em resposta às pressões sociais e, especificamente, na formação de estratégias de responsabilidade social, isto é, no que se refere às responsabilidades humanas e sociais a que a empresa deve corresponder.

Nos últimos 40 anos, a mensuração do desempenho das empresas evoluiu do estágio de conceito e teoria para a prática contemporânea.

O termo auditoria social e sua descrição como um conceito para controlar, avaliar e mensurar o desempenho social da organização já existe desde 1940, como pode ser identificado na monografia de Theodore Kreps, escrita quando professor de economia financeira na Universidade de Stanford.

Nesta época, no entanto, questões econômicas por natureza constituíam indicadores da contribuição social das empresas.

A partir das proposições de Kreps, podemos inferir que, como ocorre atualmente, a auditoria social em 1940 era um tópico cheio de controvérsias. Kreps começa sua dicussão sobre a mensuração social pela caracterização dos desejos da Nação, considerando, de forma genérica, aspirações do povo americano das liberdades individuais, crescimento das oportunidades individuais etc. Após listaras expectativas públicas, fala do problema da mensuração social e da defíníção de limite, evocando a idéia da ambigilidade do conceito de responsabilidade social. Por fim, coloca que qualquer tentativa de auditoria social das empresas precisa ser limitada pelos itens a serem mensurados. A despeito das dificuldades de sua implementação, Kreps considera o teste de desempenho social necessário para a vida das empresas e da sociedade.

Em 1953, Howard R. Bowen sugeriu uma auditoria social em oito áreas (preços, salários, pesquisa e desenvolvimento, propaganda, relações püblícas, relações humanas, relações comunitárias e estabilidade de emprego). A sua forma de realizar auditoria social acrescenta diversas vantagens, ainda válidas atualmente, das quais destacamos o fato de a avaliação das organizações ser feita por pessoas de fora da empresa, através de um grupo de auditores sociais composto de pessoas tecnicamente treinadas em áreas como lei, economia, sociologia, psicologia, pessoal, fílosofia, engenharia e teologia.

Nos tempos modernos, pressões econômicas e exigências sociais levaram as empresas e a sociedade a se procuparem com preços, emprego, produtividade e outros aspectos deste tipo. Assim sendo, proliferou-se nas organizações dos anos 70, principalmente nas americanas, a procura por uma meta maior, exigindo que o gerente contemporâneo realize, necessariamente, a contabilidade da efetivação tanto dos seus objetivos econômicos como dos seus objetivos sociais.

Quadro 1

O complexo arsenal de metas a serem cumpridas com que se deparam as organizações, atualmente, evidenciam a necessidade de a gerência ampliar seu projeto de planejamento e controle para poder atender às expectativas da sociedade com relação às empresas.

A auditoria social de hoje é um dos veículos ou meios pelos quais as empresas individuais vigiam, mensuram e avaliam seu desempenho social.

Conforme coloca Sethi "(...) podemos afirmar que, mesmo arriscados a uma visão por demais simplista, o propósito da auditoria social é classificar o amplo termo responsabilidade social de empresas em componentes identificáveis e desenvolver escalas que permitam a mensuração deste componentes".

De maneira geral, as inúmeras definições de auditoria social surgidas na década de 70 são repetitivas. No entanto, existem diferenças consideráveis de opiniões no que diz respeito aos tópicos a serem incluídos por uma auditoria social; ao critério a ser utilizado para a mensuração; ao questionamento de quem deve realizar esta auditoria, se indivíduos de dentro ou de fora da organização e à utilização dos resultados desta auditoria, se elevem permanecer apenas nas mãos da gerência ou tornados públicos.

Inúmeros indivíduos e consultores experimentaram novas metodologias e processos de implementação de auditoria social. Nestes trabalhos estão sendo desenvolvidos diversas taxinomias, ou esquemas de classificação, para a abordagem da questão.

Apresentamos, a seguir, um quadro sucinto da evolução do modelo de auditoria social desde a década de 40 até os dias de hoje, no qual podemos comparar as variações que este instrumento tem sofrido ao longo dos anos.

George Steiner "apresenta um modelo que exemplifica um tipo atual de auditoria social. Para Steiner, as seguintes questões devem ser esclarecidas numa auditoria social:

a) os propósitos da auditoria social: estes propósitos em geral caracterizam-se basicamente por identificar as responsabilidades sociais com que a empresa acha que deve arcar, examinar o que a empresa tem feito e se o seu desempenho tem sido satisfatório, verificar se a companhia é vulnerável a críticas potenciais, e conscientizar executivos segundo as dimensões sociais:

b) o que deve ser incluído na auditoria social: em geral este item deve ser determinado segundo as necessidades de cada empresa, não existindo consenso sobre as diversas possibilidades que existem neste.sentido.

c) quem deve realizar a auditoria social: se for contratado um grupo de pessoas de fora da organização, provavelmente a auditoria terá um alto grau de objetividade. Entretanto, enfatiza Steiner, é essencial que o grupo de fora inclua indivíduos que tenham familiaridade com as práticas empresariais, e sejam socialmente orientados e capazes tecnicamente nas principais áreas relacionadas com a auditoria. No caso de a empresa desejar escolher seu próprio grupo, existem várias alternativas: uma comissão de diretoria, consultoria do conselho etc.

d) divulgação dos resultados da auditoria social: Steiner considera que o interesse público é mais bem servido se existe público, embora, caso a organização opte por publicar os resultados de sua auditoria social, isso possa trazer problemas para a própria empresa. Por outro lado, considera que uma audiência fechada também pode acarretar danos no sentido de perda de credibilidade. Portanto, cabe à empresa avaliar os riscos e oportunidades da decisão, aceitar ou rejeitar o risco de ser injustamente criticada, tanto por omissões quanto por ações, e de não satisfazer por completo as expectativas sociais.

Por fim, resta-nos colocar que, também para o acompanhamento e controle de desempenho social das empresas e da implementação de programas de responsabilidade social, outro instrumento formal vem sendo desenvolvido, principalmente na Europa: a sistemática denominada balanço social, onde são discriminados alguns indicadores da participação e apreciação objetiva do çusto-benefício das iniciativas empresariais no campo social.

4. RESULTADOS DA PESQUISA: OPINIÃO DOS ENTREVISTADOS

Conforme mencionamos anteriormente, foram realizadas 65 entrevistas, das quais 20 foram aplicadas a grandes empresários (aos quais denominaremos Grupo I) e as restantes a pequenos e médios industriais (Grupo II). Estes dois grupos constituem-se a partir de comparação, tanto a nível intergrupal quanto a nível intragrupal.

Para a análise das entrevistas, seguiremos aproximadamente a ordem estipulada no roteiro de questões, enfatizando o estudo de fatores que poderiam facilitar ou dificultar uma prática de responsabilidade social.

4.1 Papel social da empresa, e conceituação de responsabilidade social

Tomemos como marco inicial as duas primeiras questões colocadas aos empresários: qual o papel da empresa na sociedade e o que entende por responsabilidade social.

Das opiniões angariadas, podemos identificar pontos que merecem exame mais cuidadoso. Para tanto, selecionamos qualitativamente, na amostra de respostas, depoimentos que merecem ser comentados.

Inicialmente, a nível do discurso, percebe-se uma variação na forma de colocar o papel da empresa na sociedade quando comparamos o Grupo I com o Grupo II.

Como evidenciam as citações, extraídas dos discursos dos pequenos e médios empresários, este papel é enfocado segundo uma dimensão mais micro, onde, dentro dos limites da estrutura organizacional, a ele é associada a questão de emprego, de problemas específicos de remuneração e de estabilidade econômica da mão-de-obra:

"Nós damos emprego no mercado social, principalmente à pequena e á média empresas, que absorvem a grande maioria dos trabalhadores do Pais. E, dando emprego, nós não damos só a condição de o ser humano ter dinheiro para sustentar a sua família, nós também faremos uma conscientização, uma disciplina para que não exista a marginalização. As pequenas e médias empresas atuam dentro da mão-de-obra brasileira na parte social em percentual bem maior que a grande."

"Eu acho que a principal responsabilidade social do empresário é gerar empregos, dar condições para que o trabalhador viva bem. Porque eu acho que toda empresa, todo funcionário de uma empresa, desde o menor até o maior e tal, é como se fosse uma engrenagem. Todos eles são importantes. É preciso formar uma equipe realmente coesa para que a empresa progrida e vá para frente."

"A empresa, ela exerce uma função de muita importância. Porque depende dela a estabilidade econômica das famílias e da própria sociedade."

Por outro lado, o grande empresário aborda a questão segundo uma dimensão macro, ampliando a inserção empresarial para fora dos domínios da organização.

"Uma sociedade decadente resultaria a longo prazo num ambiente empresarial menos viável. Portanto, uma empresa deve assumir uma posição de ativo e bom cidadão não apenas no que diz respeito à forma de conduzir os negócios, mas também desempenhando' alguma liderança na direção em que a sociedade está se mobilizando. Isto assegurará que pelo menos os seus interesses sejam considerados."

Em geral, ao falarem sobre a questão, os grandes empresários, ainda sob um enfoque macro, deixam explícita a idéia de mudança, destacando o papel que a empresa deve desempenhar em relação ao desenvolvimento do País, e seu compromisso com a sociedade.

"Acredito que uma mudança que foi óbvia para alguns empresários na década de 70 ficará clara para todos na década de 80. Esta é a expectativa pública geral, que empresas contribuam positivamente na melhoria da qualidade de vida. Neste sentido, acredito que o desempenho empresarial cada dia mais possa ser mensurado em áreas de responsabilidade social e particularmente no que se refere à educação e desenvolvimento do povo, e na solução efetiva dos problemas que a indústriapor ela mesma cria, assim como a poluição."

Dentro da conceituaçâo do papel da empresa na sociedade e da responsabilidade social dos empresários, ressaltamos outra questão freqüentemente levantada pelos entrevistadores em estreita vinculação com o tema: a questão dos lucros.

Como podemos verificar tanto nos depoimentos dos entrevistados como a nível de literatura teórica, os lucros são abordados de forma controvertida.

"Eu não acredito que se possa separar responsabilidade social do desempenho de qualquer empresa como entidade de fins lucrativos. Tem sido colocado constantemente que uma empresa bem dirigida deve estar voltada para a sua vizinhança, deve ser respeitada pelos seus empregados etc. Todos estes aspectos são entrelaçados com o desejo de dar continuidade a uma organização como entidade de fins lucrativos." (Empresário pertencente ao Grupo I.)

"Nos dias de hoje, a meu ver, podemos chamar uma empresa de responsável se ela consegue ter lucros suficientes para no fim do mês dar conta da folha de pagamento dos seus funcionários." (Empresário pertencente ao Grupo II).

Conforme constatamos no padrão de respostas transcritas, também no que diz respeito ao discurso referente à questão de lucros, os depoimentos mantêm a variação enfoque macro-micro segundo o tamanho da empresa.

Verificamos, entretanto, que, independentemente das diferenciações a nível de discurso e do tamanho da empresa, há um denominador comum que traduz qualitativamente a opinião do empresariado: a responsabilidade social da empresa é associada com sua função lucrativa, e não é vista de forma alguma como "um comportamento antimaximização de lucros".

Por fim, a análise da percepção empresarial no que se refere ao papel da empresa na sociedade e a conceituaçâo de responsabilidade social permite-nos uma analogia com o trabalho de Paulo Motta, quando descreve a abordagem da política pública no tratamento da questão de responsabilidade social.

Segundo Motta, a política pública "retira da gerência a prerrogativa de decidir sobre a relevância e a extensão do envolvimento em questões sociais". Portanto, para caracterizar a extensão do envolvimento que "defina a amplitude da interpenetração organizacional com a sociedade" Motta identifica duas áreas: a de envolvimento primário e a,de envolvimento secundário.

A área de envolvimento primário é a caracterizada "pela função especializada da organização, aquela que estabelece as bases de suas relações de troca com a sociedade". Assim, são identificadas como áreas do envolvimento primário de uma organização os processos de produção, recrutamento, publicidade etc. A área de envolvimento secundário é caracterizada "por todas as outras relações, atividades e impactos da organização que sejam conseqüências ou sustentadores de suas atividades primárias". São, portanto, identificadas como áreas de envolvimento secundário as atenções no que diz respeito ao uso do produto, ao impacto dos métodos de produção sobre os trabalhadores, a ambientes físicos, às relações com fornecedores e revendedores, e assim por diante.

Podemos concluir que, a nível de discurso, os pequenos e médios empresários estão nitidamente voltados para o envolvimento primário. Os entrevistados pertencentes a este grupo consideram importante conceber a questão de responsabilidade social nos limites restritos de sua ótica pessoal, percebendo as modificações ocorridas ao seu redor essencialmente em função dos acontecimentos que mais de perto lhe tocam, o que reforça a dificuldade do grupo em romper com esta abordagem doméstica.

Já os grandes empresários, mais uma vez a nível de discurso, incorporam em sua agenda de prioridades não apenas as questões de envolvimento primário, como também itens específicos de envolvimento secundário. E, mais ainda, em conflito com a colocação de Paulo Motta, "para firmas grandes e poderosas, as áreas de envolvimento primário e secundário seriam evidentemente maiores, embora ainda deixassem de incluir as grandes questões da sociedade como um todo". A retórica do grande empresariado engloba, e novamente é importante enfatizar, a nível de discurso, preocupações genéricas que incluem amplos horizontes da problemática social.

4.2 Programas de responsabilidade social e áreas de atuação prioritárias

Na abordagem das duas perguntas seguintes - o que entende por programa de responsabilidade social e quais as áreas de atuação prioritárias - o número e a natureza das respostas refletem quatro aspectos importantes que analisaremos em maior detalhe: subjetividade, paternalismo, tradicionalismo e imediatismo.

O grau de "vagueness " ou subjetividade da questão de responsabilidade social, amplamente abordada na literatura teórica, reflete-se como uma preocupação em grande parte do empresariado entrevistado quando a ele se solicita, de forma mais específica, uma conceituação para a questão. As citações transcritas a seguir são exemplos qualitativos que nos permitem constatar esta realidade:

"É difícil falar de programas de responsabilidade social, já que a própria análise objetiva do tema pode ser desenvolvida sob um prisma mais emocional do que lógico-racional." (Empresário pertencente ao Grupo I.)

"Não há possibilidade de se falarem prioridade para a ação social, já que esta questão é inevitavelmente subjetiva, ela depende exclusivamente dos interesses de cada um." (Empresário pertencente ao Grupo II.)

Assim sendo, a maioria dos entrevistados, com base no caráter subjetivo da questão, se limitou apenas a indicar as atividades e programas de responsabilidade social que suas empresas desenvolviam ou poderiam vir a desenvolver.

Neste sentido, verificamos que mais uma vez a aborgem da questão de responsabilidade social, e especificamente dos programas de responsabilidade social, varia segundo o tamanho da empresa do entrevistado, sendo que pequenos empresários em geral concentram suas preocupações no lado interno da empresa, enfatizando as condições de trabalho dos operários, sua educação, sua alimentação, seu nível de vida, educação, saúde etc. Exemplo desta visão pode ser observado no trecho da entrevista reproduzido a seguir, que exprime qualitativamente o pensamento da maioria dos entrevistados do Grupo II:

"O grau de validade e a ordem de prioridade que deve ser dada no tratamento das questões sociais dentro da empresa varia apenas segundo a contribuição que ela pode oferecer aos seus empregados. A empresa tem uma responsabilidade em face dos seus empregados, de forma a oferecer a eles um elevado nível de vida, com condições dignas para toda a sua família."

O paternalismo e o tradicionalismo são dois valores de grande importância para a análise qualitativa dos depoimentos. Conforme constatamos na maioria das declarações dos pequenos e médios empresários, é nítida a valorização das relações primárias fortemente carregadas de conteúdo emocional e apelo a formas tradicionais de convivência.

Está claro que a persistência destas crenças e práticas liga-se à falta de pressões modernizadores da sociedade capazes de alterar os padrões vigentes do passado. São poucos os entrevistados que apontaram pressões externas para se mobilizar socialmente como tendo algum efeito nas suas empresas. Estes raros exemplos desaparecem quando falamos dos pequenos e médios empresários do Nordeste, por exemplo, onde o patrimonialismo foi mais vigoroso que no Sudeste. Deve-se ressaltar que o êxito de práticas patrimonialistas dentro das fábricas encontra condições favoráveis no excesso de oferta de mão-de-obra desqualificada e, portanto, na baixa capacidade de barganha dos operários.

Os raros empresários que alegaram ter sofrido pressões externas para assumir responsabilidades sociais pertencem ao Grupo I e se referiam a responsabilidades particulares, como programas de emprego e condições de trabalho, qualidade de produto e, em menor número de casos, ao controle da poluição. A origem destas pressões se concentra nas agências administrativas governamentais, embora haja casos em que elas foram fruto de iniciativa de grupos privados.

Exprimindo o pensamento da maioria dos entrevistados do Grupo II, um empresário nos evidencia o grau de conservadorismo embutido em sua ideologia e conseqüente prática gerencial:

"Estes tipos de programas vão falhar sempre porque há uma certa maldade, uma certa desconfiança nas coisas. Você modificar os hábitos de uma pessoa é difícil. A pessoa acha que está levando a pior, sempre desconfiada, está pensando que os outros estão querendo tirar proveito disto. E por isso que administro a minha empresa e trato meus empregados como fazia meu falecido avô e meu falecido pai."

Segundo Flippo, paternalismo é o conceito de que a administração deve assumir uma atitude paternal e protetora para com os empregados. Em sua opinião, o paternalismo demanda a existência de duas características. Em primeiro lugar, os interesses de lucro não devem ser proeminentes no propósito da administração de conceder tais benefícios ao empregado. Estes devem ser oferecidos porque a administração decidiu que o empregado necessita deles, isto é, os benefícios podem provar serem lucrativos, porém os lucros não constituem a razão principal para sua instalação. E, em segundo lugar, a decisão relativa a que serviços proporcionar e como proporcioná-los pertence unicamente à administração.

Quanto áo paternalismo dos programas de responsabilidade social, as citações a seguir, extraídas dos discursos dos empresários, evidenciam um conflito de valores.

"Este tipo de programa não me parece paternalista! Mesmo porque o empresário está devolvendo, ou distribuindo, uma parte daquilo que o operário ajudou a construir. Há maneiras e maneiras de se desenvolver ou de se distribuir a riqueza. O sujeito vai lá e dá um presentinho, é uma coisa. Agora, se ele vai fazer um negócio continuamente, como paga pelos serviços prestados, com agradecimento dos serviços prestados, é outra coisa.

Agora se ele se coloca na posição de patriarca, e está querendo agradar o sujeito para tirar mais coisa dele, aí a conversa é outra. Mas acredito que não é a intenção deste tipo de programa." (Empresário pertencente ao Grupo II.)

"Programas de responsabilidade social... é um paternalismo que não traz mal nenhum, já que é um paternalismo adicional, não prejudica aquilo que os funcionários têm direito è, além do mais, ninguém é obrigado a freqüentar nada. Aceita se quiser, se não quiser recusa." (Empresário pertencente ao Grupo II.)

Da mesma forma que Hopper, não acreditamos que o mero suprimento de muitos benefícios faça com que a administração seja paternalista. A atitude e a maneira de instalação é que determinam se a administração é ou não paternalista em suas lides com os empregados. Das empresas que oferecem benefícios em programas de responsabilidade social, mesmo que estes benefícios sejam identificados, algumas podem ser propriamente rotuladas como paternalísticas, outras não.

O enfoque paternalista detectado nas entrevistas aparece apenas como ideologia de alguns pequenos e médios empresários da amostra. No entanto, quando nos referimos aos empresários do Grupo I, cabe ressaltar outros aspectos.

Os grandes empresários, de modo geral, adotam uma atitude em relação à mão-de-obra que muitas vezes é identificada como conceito "social" ou "humano". Esta atitude incorpora o reconhecimento de que o tratamento próprio da mão-de-obra pode ser altamente proveitoso para a firma, isto é, um investimento em mão-de-obra pode ser tão benéfico como um investimento em capital.

Assim sendo, para tomar os trabalhadores "pessoas humanas", muitos grandes empresários pensam, como é natural na perspectiva capitalista, que devem ser abertas perspectivas de acesso à propriedade. Podem discordar sobre o método a ser utilizado para obter este fim - um paternalismo modernizado ou a criação indireta de condições favoráveis para que a vontade de posse e motivação de lucro chegue aos trabalhadores - mas estão convencidos de que transporte, atividades de lazer e recreação e até mesmo a abertura do capital acionário são essenciais para o bem-estar do operário:

"Sou favorável, além de achar importante, à participação dos trabalhadores nos lucros das empresas. Afinal, é dinheiro que todos produziram em conjunto. Mas como democratizar este capital? No presente, com esta conjuntura sócio-política e. econômica, é muito difícil. Decerto, no futuro, quando o nível educacional dos operários e a situação econômica e política do País apresentarem outras características, esta será uma prática gerencial do cotidiano. A Nação caminha, a meu ver, neste sentido." (Empresário do Grupo I.)

"Muitos de nós empresários nos convencemos do valor social da empresa e hoje pode-se dizer que já há uma mentalidade nova com respeito a isto. Entretanto, é preciso estar permanentemente atento, para que o processo de industrialização se faça justamente em benefício da comunidade empresarial, de todos aqueles que participam da empresa, valorizando o trabalho, valorizando o homem que executa este trabalho. Desde os mais baixos níveis até os mais altos, todos eles dignos de respeito de se beneficiarem do processo produtivo. A legislação trabalhista, as normas de> previdência social, as fundações de benefícios para trabalhadores hoje existentes em tantas indústrias, os refeitórios, os planos de construção de casas para trabalhadores, as vilas para operários, as cooperativas de atendimento às necessidades das famílias operárias, os reajustes temporários dos salários e até a participação acionária e a organização de comitês participativos de decisões de diversos níveis têm sido soluções progressivamente aperfeiçoadas com relação a este aspecto. Acho pessoalmente que temos de caminhar muito ainda neste sentido, na busca progressiva de uma solução justa, e valorativa do ser humano. Neste sentido o empresário deve esforçar-se por encontrar novos caminhos." (Empresário do Grupo I.)

Um último aspecto, ainda dentro da conceituação de programas de responsabilidade social e da identificação das áreas de atuação prioritárias, merece destaque: o caráter imediatista do empresário.

É interessante observar que, conforme destacamos quando da revisão da literatura teórica, há uma estreita relação entre a ideologia da liderança de uma organização e sua prática gerencial, o que pressupõe que políticas corporativas e práticas sociais refletem os valores e atitudes da gerência das organizações. Assim sendo, se uma determinada gerência acredita que o papel da empresa na sociedade se restringe a alguns valores imediatistas, é esperado que suas políticas e práticas reflitam esta ideologia.

Este imediatismo é um traço característico do comportamento do pequeno e médio empresário nacional na sua prática gerencial. Às vezes, este caráter imediatista é considerado apenas uma questão de necessidade, isto é, um comportamento isolado apenas para garantir a sobrevivência da empresa, como pode ser observado na citação a seguir, que exprime o pensamento da maioria dos entrevistados pertencentes ao Grupo II:

"As dificuldades de gerenciar uma pequena empresa como a nossa e-alcançar algum lucro e conseguir sobreviver neste País, cheio de controvérsias, já é por si só uma responsabilidade social e exige de nós mais 6te 24 horas por dia. Portanto, um planejamento visando fins sociais para nossa empresa só é viável a título de bom samaritano ou com fins filantrópicos."

Como constatamos no padrão de respostas dos entrevistados do Grupo II, este comportamento não é casuístico, e sim uma constante que mais uma vez reflete a visão imediatista e instrumentalista do pequeno empresário nacional, assim como a ausência total de uma mentalidade empresarial. Características exaustivamente colocadas na literatura pertinente ao tema, e críticas do próprio grande empresário, conforme esclarece o depoimento a seguir, refletem qualitativamente a opinião da maioria dos entrevistados pertencentes ao Grupo I:

"Os programas de responsabilidade social são em geral benéficos, embora eles sejam viáveis principalmente para as grandes empresas. Eles seriam viáveis para as pequenas e médias empresas, apenas se se mudasse a mentalidade do empresário. Os pequenos e médios empresários nacionais acham que tudo aquilo que é despesa prejudicial à empresa. Eles enxergam a coisa no seguinte sentido: eu vou gastar Cr$ 50,00, e isto vai me dar o que de volta? Se eles não enxergarem o retomo na hora, eles não aplicam. Já as grandes empresas empregam muitos profissionais que defendem sua teoria e seu ponto de vista e acreditam na importância de um planejamento a longo prazo. Assim sendo, nem sempre eles vão defender seu interesse pessoal, o que dá margem à defesa do interesse social."

4.3 Prática de responsabilidade social

Por fim, nesta última etapa da análise, desenvolveremos o centro básico do estudo, que se refere especificamente à prática de responsabilidade social. Neste sentido, buscaremos compreender como as verbalizações podem corresponder à ação efetiva e quais as possibilidades concretas de transformar idéias em ação empresarial dentro dos Ümites estruturais e políticos.

Será dada ênfase ao estudo de fatores que poderiam facilitar ou dificultar a implementação de programas de responsabilidade social segundo o tamanho da empresa.

Indicaremos, portanto, como, na opinião dos entrevistados, características como o papel do governo, a problemática de custo e a prática de auditoria social trazem vantagens e desvantagens para a implementação de programas de responsabilidade social, segundo o tamanho da empresa.

A significativa associação entre o tamanho da empresa e as condições para oferecimento de programas de responsabilidade social se constitui em importante fonte de conflito. A limitação de programas de responsabilidade social às grandes empresas é um fator básico que se apresenta neste sentido. Portanto, é necessário considerarmos a possibilidade de se generalizar este tipo de programa para todas as empresas, independentemente de seu tamanho.

Segundo publicação das Nações Unidas e a extensa literatura sobre a questão, pequenas empresas, a nível mundial, freqüentemente não estão sujeitas à legislação no que diz respeito ao bem-estar social na industria. Por exemplo, um departamento de bem-estar só é requerido na índia segundo os Factories Acts e The Mines Acts para empresas com 500 ou mais empregados, e segundo os Plantation Labour Acts para empresas com mais de 300 empregados. Um refeitório é exigido, por lei, apenas onde 250 ou mais trabalhadores são empregados. Na América Latina, um grande número de trabalhadores de pequenas indústrias e/ou pequenos empreendimentos comerciais são excluídos de benefícios como férias pagas. Em muitos países, a influência do tamanho é particularmente notável em áreas rurais, onde grandes plantações usualmente beneficiadas com facilidades de serviço social.

Quando não existe legislação, mais do que nunca constatamos a participação efetiva das grandes empresas comparada com a pequena e muitas vezes inexistente participação de empresas de menor porte. Na América Latina, a prática dos acordos coletivos surgiu como o principal mecanismo para se obter serviços sociais. Nestas negociações, o tamanho da empresa é um fator integralmente relacionado. Estes acordos não são tão freqüentes em empresas de menor porte e, mesmo quando existem em empresas deste tamanho, raramente mencionam problemas específicos relativos a questões sociais. Na Inglaterra, no que se refere à.provisão de serviço médio e de saúde, a grande atividade desenvolvida está concentrada nas mãos de grandes empresários, incluindo o Governo e as empresas nacionalizadas.

Yong e Smith, em estudo realizado em Southampton, Inglaterra, constataram que as pequenas empresas são desencorajadas pelo custo inicial do estabelecimento de programas de responsabilidade social, passando a alocar os recursos que deveriam ser canalizados para estes programas em investimentos que tragam retornos visíveis a curto prazo.

Muitos programas não podem ser justificados como um investimento econômico em firmas menores. Precisa haver um certo número de empregados para que determinado serviço que não seja utilizado com freqüência e pela totalidade dos funcionário se justifique.

Em geral, a maioria das pequenas opera numa base de capital limitada e com pequena estabilidade financeira, o que obviamente faz pesar no orçamento (caso ele exista) qualquer custo adicional. Isto seria, em última instância, mais um ônus para uma taxa de mortalidade empresarial já bastante elevada, não apenas no Brasil, como na maioria dos países em desenvolvimento.

Por fim, para completar este quadro, ressaltamos o caso americano, onde verificamos que mesmo nos EUA, onde a implementação de programas de responsabilidade social é mais comum, a variável tamanho da empresa é significativa, como pode ser constatado no survey realizado por Shetty e Buehler, que estudou a existência e o desenvolvimento de programas de responsabilidade social em 232 empresas americanas.

Segundo Shetty e Buehler, mais da metade desta amostra de empresas implementava programas de responsabilidade social em uma ou mais áreas da arena social. Foram identificados no trabalho três motivos para formalização de programas de responsabilidade social; a) a elite gerencial queria um clima favorável para as atividades da empresa; b) respostas consistentes e positivas às questões sociais eram imprescindíveis para a sobrevivência da companhia; c) a gerência desejava angariar visibilidade interna e externa através destas práticas.

As empresas selecionadas foram divididas pelos autores segundo seu tamanho, com base no volume de vendas, constituindo-se assim dois grupos distintos: o primeiro com 72 empresas consideradas grandes, e o segundo com 160 empresas consideradas pequenas.

Na análise intergrupal, os autores constataram que, à medida que a companhia aumenta de tamanho, aumenta a preocupação e o compromisso na reestruturação da organização para facilitar as respostas às questões sociais. Observaram, ainda, que esta preocupação é diretamente proporcional ao incremento do número de programas de responsabilidade social, o que, em última instância, equivale a afirmar que há uma relação direta entre o tamanho da empresa e a prática de responsabilidade social.

Resta-nos, portanto, estudar a percepção do empresariado nacional sobre a questão a partir da analise dos seus depoimentos.

5. CONCLUSÃO: A IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL SEGUNDO OS ENTREVISTADOS

Para o estudo da implementação de programas de responsabilidade social, o primeiro ponto que deve ser enfatizado refere-se à importância da questão na ótica do empresariado. Muitos empresários de ambos os grupos afirmaram que este tipo de preocupação com responsabilidade social é irrelevante para o momento atual, independente da viabilidade ou não da prática de responsabilidade social; a situação do País exige outras prioridades.

"Programas de responsabilidade social para pequenas e médias empresas nacionais? (...) isto é o caviar de País desenvolvido. Aqui nós estamos preocupados com o feijão com arroz e nem estamos conseguindo dar." (Empresário do Grupo II.)

"Eu gostaria de começar a falar com uma frase de conhecido poeta brasileiro, Mário Quitana: 'Eu nada sei da questão social, eu dela faço parte simplesmente.' O fazer parte simplesmente implica talvez a maior definição de participação que a gente possa imaginar. E a ela associo meu testemunho na ênfese da importância desta questão no momento que estamos vivendo hoje, num processo de abertura política que liberou tensões e pressões." (Empresário do Grupo I.)

"Eu te faço uma pergunta muito clara: você acha que os empregados estão realmente preocupados com a poluição? Estariam na hora que tivessem uma doença. Se não estiver afetando diretamente, eles não estão preocupados. O problema que o empregado americano, que atingiu um nível de vida que ele tem seu carro, o seu conforto, ele entrou agora para este nível de preocupação. O empregado brasileiro está num nível de preocupação inferior. Ele ainda está no estágio de comer bem, ou, por exemplo, do metalúrgico paulista, ter um carro melhor, uma moradia melhor. Este tipo de preocupação mais elevada ainda está exclusivamente na competência do Governo." (Empresário do Grupo I.)

Opiniões controvertidas são apresentadas na análise deste ponto, variando basicamente a conceituação e percepção do empresariado sobre a questão. Neste ponto, surge um novo agente freqüentemente associado, pela maioria do empresariado, à questão de viabilidade de implementação de programas de responsabilidade social: o Governo.

O papel do Governo é outra questão que surge, ao se discutir responsabilidade social, como tema controvertido. Isto, aliás, pode ser verificado tanto a nível da literatura teórica como em termos dos depoimentos dos empresários.

"O papel do Governo estabelece objetivos que para sua implementação efetiva requerem a cooperação de organizações." (Empresário pertencente ao Grupo I.)

"Uma empresa deve estar voltada para os problemas sociais, embora a liderança da questão deva ser função do Governo." (Empresário pertencente ao Grupo II.)

"Para as grandes empresas, este tipo de programa é viável mesmo sem o auxício do Governo. Já para as pequenas e médias, teria que ter uma ajuda governamental. E que, aliás, o Governo estaria exercendo o seu papel realmente. Porque na verdade o papel do Governo é dar assistência social ao povo da Nação. E, através da empresa, ele estaria ajudando também o povo." (Depoimento de empresário do Grupo II).

As espectativas dos pequenos e médios empresários quanto ao papel do Governo resumem idéias-chave da mentalidade deste grupo de entrevistados; são ambíguos: por um lado, desejam "construir uma indústria", mas como estão desprovidos de capital em geral e sabem que deles depende a formação da empresa, se voltam para a fonte mais abundante, que na situação brasileira é o Estado. Assim, mantendo a retórica da "iniciativa privada", buscam o que consideram o "lado bom" do Estado, representado pelo Estado-protetor, como instrumento de distribuição de benesses (redução de imposto, crédito para capital de giro, crédito em geral, reserva de mercado, garantias etc).

Por outro, a representação correspondente e oposta à do Estado-protetor aparece quando pensam no Estadointervencionista, conforme crítica de empresário do Grupo I:

"O pequeno empresário quer ser rico independentemente da riqueza de sua empresa, e para satisfazer suas aspirações não poupa medidas para privatizar os lucros ou socializar os prejuízos, E, depois de tudo, ele demanda a intervenção paternalista do Estado sem querer pagar o preço."

Já o grande empresário se centraliza na análise do próprio Estado como empresário, na competência que garanta que a limitação das fronteiras da açáo governamental aperfeiçoe as várias formas de cooperação entre o Estado e o setor privado, oferecendo maiores possibilidades de conciliar eficiência produtiva com o atendimento de amplas metas sociais, procurando viabilizar o desenvolvimento não-paternalista da empresa privada nacional e internalizar externalidades sem necessariamente eliminar a competição, atendendo novas exigências sociais sem ter de abdicar do dinamismo e da criatividade empresarial.

Para tanto, dos inúmeros depoimentos feitos por diferentes empresários como discursos memorizados, foram selecionados os transcritos a seguir, que por si só esclarecem a questão, dispensando análises mais profundas.

"A função do Estado é muito precípua para mim, dentro da sociedade. E uma das funções do Estado é internalizar aquilo que os economistas chamam de extemalidade."

"A ênfase no papel do Estado como produtor de bens e serviços deve ser substituída por profunda atuação no campo social, com o objetivo de proporcionar a todos menor desigualdade no acesso à oportunidade. Os problemas atuais estão a demandar a participação direta ou indireta do Estado em maior volume e em melhor qualidade em investimentos em educação e treinamento da mão-de-obra, em programas de saúde preventiva e de nutrição de menores, por exemplo, tópicos a serem incluídos necessariamente numa agenda para a ação do Estado."

"É sabido que o capital é dos fatores mais escassos e por isto tem a maior remuneração, porém não se deve esquecer a sua função social e, portanto, democrática. Por conseguinte, a função nobre do Estado é exercer o seu controle para que a democracia social exista dentro de uma economia capitalista. Esta, no entanto, não é uma função simples, porque todos vivemos dentro de um mundo econômico-social e político, e o Estado é função do equilíbrio destas forças."

"A concepção do Estado moderno enquanto promotor e defensor do bem-estar geral na Nação supõe duas funções básicas: a de orientação do desenvolvimeto, através, de políticas globais e setoriais, e a de agente econômico direto, através de investimentos complementares à iniciativa privada."

"A abertura política está procurando trazer um equilíbrio entre a técnica moderna de equacionar e solucionar problemas com as verdadeiras necessidades práticas do homem da sociedade. O Estado, no processo desenvolvimentista, não pode elaborar planos dentro de quatro paredes e aplicá-los arbitrariamente à coletividade. O que é preciso é a participação maior do empresariado que ajude a orientar e viabilizar soluções."

Outra questão importante a ser abordada refere-se à associação da problemática custo à implementação de programas de responsabilidade social. Segundo Greenwood, "o sucesso de programas de responsabilidade social não depende da quantidade de recursos que você aloca para tanto, mas sim da atitude e preocupação da gerência com a questão".

Qualitativamente, na amostra de respostas, podemos constatar que não se evidencia um conflito entre os valore dos pequenos e médios empresários e dos grandes empresários quanto à questão. No depoimento de ambos os grupos é denominador comum a fraca associação entre a viabilidade de implementação de programas de responsabilidade social e o efeito nos custos e lucros das empresas.

"O atendimento às necessidades básicas da população brasileira nas áreas de assistência médica, alimentação, educação, habitação e emprego não é fundamentalmente um problema econômico ou financeiro, mas uma questão de vontade política." (Empresário pertencente ao Grupo II.)

"Qualquer firma pode conseguir o benefício de responsabilidade social, tendo dinheiro. Embora as pequenas e médias empresas consigam alcançar as mesmas vantagens sem desembolsar dinheiro, através da humanização do contato do funcionário com a empresa. Na grande empresa é meio difícil, então eles têm que partir para este tipo de programa de responsabilidade social. É como a mãe contratar uma babá para ficar tomando conta do neném. A babá está dando todo o amor que ele tem para o neném. Mas não é a mesma coisa que se a própria mãe estivesse tomando conta." (Empresário pertencente ao Grupo II.)

Esta linha de pensamento divergente, encontrada em uns poucos empresários pertencentes ao Grupo II, merece ser destacada, já que nas opiniões angariadas podemos identificar um ponto qualitativamente relevante para a análise: a questão da ação coletiva para as pequenas empresas.

A ação coletiva dos pequenos e médios empresários é vista como forma de solucionar," a partir da união de forças, a questão da marginalização dos pequenos e médios empresários, da sua falta de infra-estrutura e de condições para oferecer benefícios de ordem social, conforme reflete a opinião do empresário pertencente ao Grupo II transcrita a seguir:

"Dadas as dificuldades crescentes da gerência de pequenas empresas, hoje é extremamente oneroso para a sua direção desenvolver um plano para o exercício da responsabilidade social, embora eu acredite que a pequena empresa pode melhor exercer suas responsabilidades sociais na área social, agindo via associações de comércio ou clubes de serviço, e também as pequenas exercerão melhor estas responsabilidades se elas agirem coletivamente, em vez de o fazerem de forma individual."

Por fim, para a análise da opinião dos entrevistados sobre a implementação de programas de responsabilidade social e o tamanho da empresa, cabe ressaltar um último aspecto observado: a prática da auditoria social.

Inicialmente, para o estudo deste item, é imprescindível comentarmos que na formulação da pergunta foi necessário de antemão elucidar ao empresário a conceituaçáo atual de auditoria social, já que, excetuando-se alguns entrevistados pertencentes ao Grupo I, a maioria da amostra ignorava o assunto.

Assim sendo, com base nas opiniões angariadas, pudemos constatar uma nítida dicotomia: num pólo se concentram os empresários pertencentes ao Grupo I, que enfatizam a importância da auditoria social, e em outro pólo- os empresários pertencentes ao Grupo II, que consideram a auditoria social irrelevante e até mesmo inviável para suas empresas.

Esta irrelevância e inviabilidade é justificada por este grupo com base nas seguintes razões:

- é irrelevante porque a gerência de pequena empresa sabe o que é necessário ser feito e o que a firma pode fazer e está fazendo;

- é inviável porque a pequena empresa não tem tempo nem mão-de-obra disponível para levar adiante uma auditoria social.

As observações feitas têm por base as seguintes citações, extraídas de depoimentos de entrevistados que qualitativamente refletem a opinão da maioria:

"O estabelecimento de objetivos e estratégias é apenas o primeiro passo em qualquer programa. Sem um acompanhamento sistemático dos resultados a sua continuidade não é possível." (Empresário pertencente ao Grupo I.)

"Numa pequena empresa, sabe-se o que é necessário e o que se está fazendo, e portanto qualquer programa de responsabilidade social traria resultados muito visíveis que qualquer pessoa poderia constatar." (Empresário pertencente ao Grupo II.)

Este último item é de grande importância, na medida em que confirma mais um ponto já exaustivamente criticado da diferenciação da mentalidade empresarial entre os pequenos e médios e os grandes empresários, enfatizando o caráter imediatista dos entrevistados pertencentes ao Grupo II e a sua total descrença em relação a qualquer planejamento racional que extrapole as fronteiras dw alcance de seu senso comum.

A crença de que o exercício de responsabilidade social é um problema mais difícil para a pequena empresa do que para a grande resume o perfil geral das opiniões angariadas.

Como justificativa para esta perspectiva foram colocados pelos respondentes dois motivos principais: a falta de tempo dos pequenos e médios empresários, que os limita a satisfazer as pressões tradicionais do seu dia-a-dia, e a escassez de mão-de-obra especializada.

"Não existe tempo para o pequeno empresário fazer nada. Porque tudo é difícil para as pequenas e médias empresas, em termos de tempo disponível para qualquer coisa." (Empresário pertencentente ao Grupo II.)

A estes itens podemos associar todas as peculiaridades do segmento de pequenos e médios empresários: centralização, caráter imediatista, falta de continuidade no processo de planejamento, conservadorismo, timidez, reserva e sensação de inferioridade, marginalização, conforme constatamos nas citações a seguir:

"A grande empresa pode pôr duas ou três pessoas especializadas trabalhando num mesmo setor; quando falta uma, ela não sofre descontinuidade. Então, aqui, na pequena, cada vez que nós trocamos o chefe de departamento de pessoal ou qualquer coisa assim, muda tudo. O arquivo é virado de cabeça para baixo, então aquilo que vinha sendo feito já não serve mais, porque ele tem outra idéia, e, no fim, ele acaba perdendo tudo porque nem faz um novo sistema nem acompanha o velho. Como é que nós podemos implementar um programa com continuidade, com planejamento?" (Depoimento de empresário pertencente ao Grupo II.)

"A história do pequeno e do médio empresário é sempre a mesma: ele funda a firma, e trabalham ele e mais dois ou três empregados. Aí a firma começa a crescer e o próprio empresário não a acompanha, ele continua com a mesma mentalidade que tinha antes e tem medo de mudar. Sim, porque a inovação, o desconhecido, dá insegurança. Entre o certo e o incerto ele opta pela experiência vivida. Você acha que ele implementaria um programa novo e assumiria o risco de um fracasso? Algo que não foi testado, e que todo seu grupo de referência não disse 'faz que é bom'? Acho difícil..." (Depoimento de empresário pertencente ao Grupo I.)

"As pessoas não têm coragem de se assumir como pequeno empresário, acham que o pequeno significa má qualidade." (Depoimento de empresário pertencente ao Grupo II.)

Será que estas peculiaridades dos pequenos e médios empresários são as causas básicas da nâo-implementaçâo de programas de responsabilidade social, conforme foi colocado qualitativamente pela amostra entrevistada? Na nossa opinião, não objetivamente. Estes são apenas os motivos aparentes. Estas peculiaridades agem apenas como desestímulos, a elas estando associado um grande catalisador da imobilização deste segmento empresarial: a falta de benefícios, de retornos concretos que justifiquem este investimento. Já que no caso da grande empresa o retomo mínimo é garantido pela sua própria visibilidade, obtida à medida que promove um programa de responsabilidade social, a grande empresa pode capitalizar utilizando este tipo de atividade, com o auxílio de certa publicidade, para "vender" uma imagem bem-vinda da empresa ao consumidor ou possível consumidor.

Esta situação é em parte detectada por grandes empresários, conforme constatamos no trecho do depoimento transcrito a seguir.

"Os motivos da não-implementação são diversos, nos quais é importante citar a famosa falta de tempo, mas o que a meu ver é sobrepujado pela falta de credibilidade, já que o empresário acredita que trabalhando em outras áreas seu tempo vai render mais, já que ejas vão trazer retomo imediato. O pequeno empresário brasileiro é muito acomodado, muito descrente."

Ao compararmos a opinião dos dois grupos, percebemos, a nível de discurso, uma variação da forma de colocar o papel do tamanho na implementação de programas de responsabilidade social, e confirmamos a diferenciação de enfoque macro-micro ligado, respectivamente, ao Grupo I-Grupo II, detectado na abordagem do papel da empresa na sociedade e na compreensão do empresariado sobre a questão de responsabilidade, social.

Assim, sendo, temos que o grande empresário de uma forma geral vê o problema de fora, numa perspectiva mais ampla, não se prendendo a aspectos específicos, como custo, mão-de-obra, tempo etc., e portanto acreditando que estes pontos não são obstáculos para a viabilização de programas de responsabilidades social, associando a questão a um problema de ideologia e mentalidade empresarial, conforme constatamos no depoimento de um grande empresário, transcrito a seguir, que exprime o pensamento da maioria:

"O compromisso com a responsabilidade social não está relacionado com o tamanho da empresa, mas sim com o interesse individual da sua elite decisória."

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Nool, Lawrence W. Ethics and the businessman. Akron Business and Economic Review, 4(3), 1973. ' Petit, Thomas A. The Moral crisis in management. New York, MacGraw-Hill, 1967.

  • *

    Extrato da dissertação de mestrado, defendida a 20 de dezembro de 1981 no Departamento de Administração da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ).

  • 1

    Estas listagens foram obtidas para a realização da pesquisa "Ação coletiva e participação do pequeno e do médio empresário nacional", convênio Iuperj/Cebrae, 1980.

  • 2

    R. Social responsibilities of businessman. New York, Harper & Row, 1953. p. 6.

  • 3

    Kugel, Owen. How social responsibility became institutionalized.

    Business Week, p. 74-82, June 30,1973.

  • 4

    Davis, Keith. Five propositions for social responsibility.

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  • 5

    Friedman, Milton, Does business have a social responsibility?

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    NY Times Magazine, Sept. 13,1970.

  • 6

    The Moral crisis in management. New York, McGraw-Hill, 1967.

  • 7
  • 8

    Bowen, Howard R. op. cit. p. 21.

  • 9

    Ver, para tanto, Nool, Lawrence W. Ethics and the Businessman.

    Akron Business and Economic Review, 4 (3), 1973; Johnston, Herbert.

    Business ethics. New York, Pitman, 1961 ; Garett, Thomas M.

    Ethics in business. New York, Sheed and Ward, 1963; Baumhart, Raymond C. How ethics are business menº

    Harvard Business Review, July/Aug. 1961.

  • 10

    Responsabilidade social das empresas; uma visão operacional. PUC/RJ. (Documentos de trabalho nº 17.)

  • 11

    Chamberlain, Neil W., The Limits of corporate responsibility. New York, Basic Books, 1973. p. 204.

  • 12

    Kieps, Theodore J. Measurement of the social performance of business. Washington, DC, US Government Printing Office, 1940. (Monografia nº 7 da série de estudos do Temporary National Economic Committee.)

  • 13

    Bowen, Howard R. op. cit. p. 21.

  • 14

    Sethi, S. Prakash, Getting a handle on the social audit.

    Business and Society Review/Innovation, (4) Winter 1972/73.

  • 15

    Ver, como exemplo de esperiências interessantes: Richard, Barry. Newns paths to corporate social responsibility.

    California Management Review, 75(3), 1973; Butcher, Bernard L. The program Management Approach to the corporate social audit.

    California Management Review; 76(1), 1973; Bauer, Raymond A. The corporate social audit: getting on the learning curve.

    California Management Review, 16(1), 1973; Linowes, David F. Let's getaudit on with the social a specific, proposal.

    Business and Society Review/Innovation, (4) Winter 1972/73.

  • 16

    Strategic planning: wath every manager must nkow. The Free Press/MacMillan; Social policies for business e The social audit. Los Angeles, Center for Reserch on Dialogue on Business Society, University of California.

  • 17

    Revista de Administação de Empresas da Fundação Getulio Vargas (79 (3), jul/set. 1979), os professores Ernesto Lima Gonçalves e Benoit Six nos falam sobre a "Prática do balanço da empresa". Na Europa têm surgido diversas publicações abordando este tema:

    Le Bilan social: une méthode pratique d'action, Paris, Maury, 1976;

    Social bilanz. Alemanha, M. Dierkes, 1976;

    Le Bilan social de l'enterprise, Paris, A Chevalier, 1976. b)

    El Balance Social de la empresa. Relatório á Assembléia Mundial da Uniapac, México, 1977; Brasil, ADCE-Uniapac, 1977.

  • 18

    Friedman, Milton, op. cit.

  • 19

    Motta, Paulo Cesar. op. cit. p. 15.

  • 20

    Princípios de administração de pessoal. São Paulo, Atlas 1976. p. 47.

  • 21

    Hopper, Jerry R. Some critical reflections of the new paternalism.

    Personnel, 34; 31-55, nov./dez. 1957.

  • 22

    Personnel management. 5. ed. Homewood, Illinois, Richard D. Irwin, 1963. p. 12.

  • 23

    Ver, para tanto, Diniz, Eli & Boschi, Rentato R. et alii. O Apoio à pequena e média empresa na política do BNDE: ideologias, avaliações e poder. Convênio Cebrae - PNTE/Iuperj, jan. 1979. p. 75-80.

  • 24

    Industrial Social Welfare. New York United Nations, 1971.

  • 25

    Young, A F. 8i Smith, J. H. Fringe bene'fits - a local survey.

    British Journal of Industrial Relations, 196 7, p. 73.

  • 26

    Shetty, Y. K. 8t Buehler, Vemon. Corporate responsibility in large-scale americans firms: implications for multinationals. Logan, Utah, Utah State University, 1974.

  • 27

    Issues in business and society. Maghton, Mifflin, 1977.

  • 28

    Conforme colocamos na metodologia, aos mesmos empresários do Grupo II, inicialmente foram feitas questões para a pesquisa "Ação coletiva e participação política do pequeno e do médio empresário", onde o próprio tema do trabalho sugeria ao entrevistado este ponto. Logo em seguida foram abordadas as questões para este estudo. Portanto, esclarecemos que, embora conscientes de que esta associação á questão de ação coletiva talvez não seja espontânea, o que pode enfraquecer a validade e fidedignidade das respostas, tomaremos como premissa esta situação, não desmerecendo assim sua análise a título de informação.