Maria Fernanda Portela Disciplina: Teoria da Constituição TEORIA DA CONSTITUIÇÃO INTRODUÇÃO O vocábulo "Constituição" tem no verbo latino constituere sua origem etimológica e sua conformação semântica, vez que o mesmo exterioriza o ideal de constituir, criar, delimitar abalizar, demarcar. É nessa acepção que se pode considerar a Constituição enquanto o conjunto de normas fundamentais e supremas, que podem ser escritas ou não, responsáveis pela criação, estruturação e organização político-jurídica de um Estado. De acordo com Georges Burdeau, a Constituição é o Estatuto do Poder, garantidora da transformação do Estado - até então entidade abstrata - em um poder institucionalizado. É o que permite a mudança de perspectiva que ocasiona o abandono do clássico pensamento de sujeição absoluta às imposições pessoais de governantes, para a obediência voltada a uma entidade (Estado), regida por um documento: a Constituição. Torna-se, pois, a Constituição, um documento essencial, imprescindível. Todo Estado a possui. Porque todo Estado precisa estar devidamente conformado, com seus elementos essenciais organizados, com o modo de aquisição e o exercício do poder delimitados, com sua forma de Governo e Estado definidas, seus órgãos estabelecidos, suas limitações fixadas, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias asseguradas Em suma, a Constituição é a reunião das normas que organizam os elementos constitutivos do Estado. Como Constituições são organismos vivos\ documentos receptivos aos influxos da passagem do tempo, em constante diálogo com a dinâmica social, sempre haverá alguma dificuldade em sua delimitação, haja vista sua mutação constante, seu caráter aberto e comunicativo com outros sistemas. Quanto ao Direito Constitucional é um dos ramos do Direito Público, a matriz que fundamenta e orienta todo o ordenamento jurídico. Surgiu com os ideais liberais atentando-se, a princípio, para a organização estrutural do Estado, o exercício e transmissão do poder e a enumeração de direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Atualmente, preocupa-se não somente com a limitação do poder estatal na esfera particular, mas Maria Fernanda Portela Disciplina: Teoria da Constituição também com a finalidade das ações estatais e a ordem social, democrática e política. Pode-se estudar o Direito Constitucional tendo por base três perspectivas distintas: o Direito Constitucional geral -normas gerais para o Direito Constitucional, estabelecendo, por exemplo, conceitos, classificações e métodos das constituições- ,o Direito Constitucional especial -ocupa-se em escudar a Constituição acuai de um Estado específico- e o Direito Constitucional comparado -método descritivo de análise e se subdivide em três categorias de estudo: critério temporal ou vertical, o qual compara Constituições de um mesmo Estado, elaboradas em épocas diferentes ex: comparação entre a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 com a Constituição do Império de 1824; critério espacial ou horizontal, que se atém à comparação de Constituições vigentes em Estados distintos, que podem ou não ser contíguos ex: comparar a nossa acuai Constituição com as Constituições de outros países da América Latina ou com a Constituição da Nova Zelândia); por fim, critério baseado na forma de Estado elegida ex: comparar as Constituições dos países que adoram como forma de Estado a federada). CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS 1ª - Constituição de 1824 (Brasil Império) 2ª - Constituição de 1891 (Brasil República) 3ª - Constituição de 1934 (Segunda República) 4ª - Constituição de 1937 (Estado Novo) 5ª - Constituição de 1946 (Redemocratizou o país) 6ª - Constituição de 1967 (Regime Militar) 7ª - Constituição de 1988 (Constituição Cidadã) Brasileiras SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO Para explicar o porquê a constituição é considerada norma fundamento de outras normas, algumas teorias foram criadas para debater as concepções de constituição. Maria Fernanda Portela Disciplina: Teoria da Constituição 01-JELLINECK (POSITIVISTA) Jellineck era positivista e indiferente ao estudo de como a constituição surgiu. O que era relevante para ele, era o porquê da Constituição ser suprema no ordenamento jurídico e para ele essa explicação deveria estar no próprio direito, porque já que o direito quer ser uma ciência autônoma, ele deve ser capaz de s e auto explicar. A Constituição para Jelinek, é um documento que cria e organiza um Estado, que é composto por 3 (três) poderes criadores de normas jurídicas e reconhecedores de normas com fundo consuetudinário. Normas são criaturas de um Estado que é criatura de uma Constituição. Ou seja, Constituição cria o Estado que cria as Normas ou reconhece Normas Costumeiras, normas essas que devem estar de acordo c om o texto constitucional. E como a constituição, quem criou todo este sistema, ela é suprema por esta razão. 02- KELSEN (NORMATIVISTA) – (Sentido Jurídico) Na percepção jurídica a Constituição se apresenta enquanto norma superior, de obediência obrigatória e que fundamenta e dá validade a todo o restante do ordenamento jurídico. Esta concepção foi construída a partir das teses do mestre austríaco Hans Kelsen, que se tornou mundialmente conhecido como o autor da Teoria Pura do Direito (visava-se desconsiderar a influência de outros campos do conhecimento como o político, o social, o econômico, o ético e o psicológico, uma vez que estes em nada contribuíam para a descrição das normas jurídicas – possibilitando portanto, que o Direito se elevasse à posição de verdadeira ciência jurídica.). Kelsen estruturou o ordenamento de forma estritamente jurídica, baseando- se na constatação de que toda norma retira sua validade de outra que lhe é imediatamente superior. Essa relação de validade culmina em um escalonamento hierárquico do sistema jurídico, uma vez que as normas nunca estarão lado a lado, ao contrário, apresentarão posicionamentos diferenciados em graus inferiores e superiores. A busca por esse último alicerce da ordem normativa levou Kelsen a construir a teoria da norma fundamental, que irá justificar a validade objetiva de determinada ordem jurídica positiva. Chega-se a esta norma básica quando não se admite um único passo para trás na cadeia de validade jurídica, pois ela será a Maria Fernanda Portela Disciplina: Teoria da Constituição norma superior por excelência, única a não depender de outra que lhe dê suporte. “ “Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma e mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum da validade de rodas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum''. 03- CARL SHIMITT: TEORIA DIALÓGICA OU DECISIONISTA- (Sentido Político) Para ele a Constituição cristaliza, materializa em norma jurídica todos os valores, decisões (daí decionista) essenciais e fundamentais de um povo e por isso é superior. O que é importante para a sociedade está centrado no texto constitucional, é portanto um reflexo imperfeito da vontade do povo e é imperfeito pois a constituição está sempre em busca da verdadeira vontade do povo e por isso está sendo constantemente alterada/modificada por emendas. É também conhecida como Teoria Dialógica porque é um constante dialogo existente entre a Constituição e a verdadeira Constituição (que corresponde a vontade do povo). A Constituição corresponde à "decisão política fundamental" que o Poder Constituinte reconhece e pronuncia ao impor uma nova existência política. A leitura que o autor faz dessa diversidade de normas na Constituição cria uma dicotomia que as divide em "constitucionais" (aquelas normas Maria Fernanda Portela Disciplina: CAPÍTULO 1 TEORIA DA CONSTITUIÇÃO SUMÁRIO • 1. Introdução; 2. Concepções de Constituição; 2.1. Introdução; 2.2. Constituição sob o prisma sociológico; 2.3. Constituição sob o aspecto político; 2.4. Constituição em sen tido jurídico; 2.5. Concepção culturalista da Constituição (a busca por alguma conexão entre os sentidos anteriormente apresentados); 3. Classificação das Constituições; 3.1. Quanto à origem; 3.2. Quanto à estabilidade (mutabilidade ou processo de modificação); 3.3. Quanto à forma; 3.4. Quanto ao modo de elaboração; 3.5. Quanto à extensão; 3.6. Quanto ao con teúdo; 3.7. Quanto à finalidade; 3.8. Quanto à interpretação; 3.9. Quanto à correspondência com a realidade = critério ontológico; 3.10. Quanto à ideologia (ou quanto à dogmática); 3.11. Quanto à unidade documental (quanto à sistemática); 3.12. Quanto ao sistema; 3.13. Quanto ao local da decretação; 3.14. Quanto ao papel da Constituição (ou função desempenhada pela Constituição); 3.15. Quanto ao conteúdo ideológico (ou quanto ao objeto); 3.16. Outras clas sificações; 4. Aplicabilidade das normas constitucionais; 4.1. Introdução; 4.2. A classificação de José Afonso da Silva; 4.3. A classificação de Maria Helena Diniz; 4.4. A classificação de Uadi Lammêgo Bulos; 4.5. Críticas; 5. Princípios instrumentais de interpretação da Constituição e das leis; 5.1. Princípio da supremacia da Constituição; 5.2. Princípio da interpretação con forme à Constituição; 5.3. Princípio da presunção de constitucionalidade das leis; 5.4. Prin cípio da unidade da Constituição; 5.5. Princípio da força normativa; 5.6. Princípio do efeito integrador; 5. 7. Princípio da concordância prática ou harmonização; 5.8. Princípio da máxima efetividade ou da eficiência (intervenção efetiva); 5.9. Princípio da conformidade funcional ou justeza; 6. Elementos da Constituição; 7. Quadro sinótico; 8. Questões; 8.1. Questões ob jetivas; 8.2. Questões discursivas; Gabarito questões objetivas; Gabarito questões discursivas 1. INTRODUÇÁO O vocábulo "Constituição" tem no verbo latino constituere sua origem etimológica e sua conformação semântica, vez que o mesmo exterioriza o ideal de constituir, criar, deli mitar abalizar, demarcar. O termo exprime, pois, o intuito de organizar e de conformar seres, entidades, organismos. É nessa acepção que se pode considerar a Constituição enquanto o conjunto de nor mas fundamentais e supremas, que podem ser escritas ou não, responsáveis pela cria ção, estruturação e organização político-jurídica de um Estado. De acordo com Georges Burdeau2, a Constituição é o Estatuto do Poder, garantidora da cransformação do Estado - até então entidade abstrata - em um poder instituciona lizado. É o que permite a mudança de perspectiva que ocasiona o abandono do clássico pensamento de sujeição absoluta às imposições pessoais de governantes, para a obediência voltada a uma entidade (Estado), regida por um documento: a Constituição. 1. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 27. 2. BURDEAU, Georges. Droit constitutionnel et institutions politiques. 71 ed. Paris: Générale de Droit et de Jurispru dence, 1965. 27 NATHAUA MASSON Torna-se, pois, a Constituição, um documento essencial, imprescindível. Todo Estado a possui. Porque todo Estado precisa estar devidamente conformado, com seus elementos essenciais organizados, com o modo de aquisição e o exercício do poder delimitados, com sua forma de Governo e Estado definidas, seus órgãos estabelecidos, suas limitações fixa das, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias asseguradas. Em suma, a Constituição é a reunião das normas que organizam os elementos cons titutivos do Estado}. Ressalte-se, todavia, estarem o termo "Constituição" e sua conceituação permanen temente em crise', já que os estudiosos não acordam quanto à uma definição, existindo uma pluralidade de concepções que fornecem noções acerca do assunto. Não se espera, no entanto, que algum dia seja diferente. Como Constituições são organismos vivos\ docu mentos receptivos aos influxos da passagem do tempo, em constante diálogo com a dinâ mica social, sempre haverá alguma dificuldade em sua delimitação, haja vista sua mutação constante, seu caráter aberto e comunicativo com outros sistemas. Quanto ao Direito ConstitucionaL é um dos ramos do Direito Público, a matriz que fundamenta e orienta todo o ordenamento jurídico. Surgiu com os ideais liberais atentan do-se, a princípio, para a organização estrutural do Estado, o exercício e transmissão do poder e a enumeração de direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Atualmente, preocupa-se não somente com a limitação do poder estatal na esfera particular, mas tam bém com a finalidade das ações estatais e a ordem social, democrática e política. Em uma análise pormenorizada, pode-se estudar o Direito Constitucional tendo por base três perspectivas distintas: o Direito Constitucional geral, o Direito Constitucional especial e o Direito Constitucional comparado. A primeira atém-se à definição de normas gerais para o Direito Constitucional, esta belecendo, por exemplo, conceitos (significado para locuções essenciais à compreensão da disciplina, como "Direito Constitucional", "Constituição", "poder constituinte", dentre outras), classificações e métodos de interpretação das Constituições. A segunda ocupa-se em escudar a Constituição acuai de um Estado específico. A terceira é rida como um método descritivo de análise e se subdivide em três categorias de estudo: critério temporal ou vertical, o qual compara Constituições de um mesmo Esta do, elaboradas em épocas diferences (ex: comparação entre a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 com a Constituição do Império de 1824); critério espacial ou horizontal, que se atém à comparação de Constituições vigentes em Estados distintos, que podem ou não ser contíguos (ex: comparar a nossa acuai Constituição com as Constitui ções de outros países da América Latina ou com a Constituição da Nova Zelândia); por fim, critério baseado na forma de Estado elegida (ex: comparar as Constituições dos países que adoram como forma de Estado a federada). 3. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 281 ed. Malheiros, 2006, p. 38. 4. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 27. 5. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 27. 28 TEORIA DA CONSTITUIÇÃO 2. CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÃO 2.1 . lntroduçáo Partindo da premissa de que a definição precisa do vocábulo "Constituição" é tarefa árdua, eis que o termo presta-se a mais de um sentido, reconhece-se uma gama variada de concepções que tencionaram desvendá-lo, cada qual construída a partir de uma distinta forma de entender e explicar o Direito. Em que pese serem rodas muito diversas e possuírem bases teóricas muitas vezes opostas, são de grande valia doutrinária, pois foram possivelmente adequadas em algum momento histórico (ou segundo um específico prisma de análise) e fornecem os elementos para a síntese dialética que o constitucionalismo contemporâneo oferta hoje. Far-se-á referência, nos irens seguintes, aos sentidos e as concepções de maior reper cussão que disputam a conceituação adequada do termo. 2.2. Constituição sob o prisma sociológico Ao conceito sociológico associa-se o alemão Ferdinand Lassalle que, em sua obra "A essência da Constituição", sustentou que esta seria o produto da soma dos fatores reais de poder que regem a sociedade. Segundo esta concepção, a Constituição é um reflexo das relações de poder vigentes em determinada comunidade política. Assemelhada a um sistema de poder, seus contornos são definidos pelas forças políticas, econômicas e sociais atuantes e pela maneira como o poder |