O que caracteriza crime de extorsão

Saiu na Folha de hoje (14/04/10):
 
Policiais do Deic são flagrados extorquindo comerciante
A Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo prendeu ontem dois investigadores do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) acusados de extorsão. 
Eles estavam junto a um terceiro investigador em um posto de gasolina próximo à via Dutra, em Guarulhos, Grande São Paulo, e foram surpreendidos quando recebiam dinheiro de um comerciante. A polícia não divulgou a quantia envolvida.
O comerciante denunciou os investigadores junto ao Ministério Público e entregou gravações de conversas telefônicas nas quais os policias tentavam extorquí-lo. A Corregedoria organizou uma operação com 12 policiais para deter os investigadores no momento da entrega do dinheiro combinado.
Durante a ação, os investigadores reagiram e houve tiroteio, mas ninguém se feriu. 
Um dos acusados fugiu em um carro, atropelando um dos seus comparsas. Os outros dois foram presos.
De acordo com a Corregedoria, o comerciante já teve passagem pela polícia no passado e os investigadores tentaram extorquí-lo afirmando que ele ainda tinha negócios ilícitos.
Ainda de acordo com a corporação, os investigadores do presos possuem mais de 40 anos e trabalhavam para a polícia há mais de 15.
 
Essa matéria serve para conversarmos sobre o crime de extorsão.
 
Nós já vimos aqui no blog que roubar é tomar algum objeto móvel de alguém de forma violenta ou através de uma ameaça.
 
O crime de extorsão é muito parecido com o roubo. A diferença entre eles é que, no roubo, não importa o cooperação da vítima: o criminoso sempre poderia conseguir seu objetivo (tomar a coisa) sem que a vítima cooperasse. Por exemplo, se Fulano aponta a arma contra Beltrano e exige sua carteira, ele está roubando, já que ele tem a possibilidade de conseguir a carteira ainda que a vítima não coopere (por exemplo, se ele a matar, ele conseguirá pegar a carteira).
 
Já na extorsão, o criminoso apenas consegue subtrair a coisa alheia se a vítima cooperar. Por exemplo, no caso de saques em caixas eletrônicos. Como o criminoso não sabe a senha da vítima, ele não vai conseguir pegar o dinheiro se a vítima não cooperar. Na extorsão, a vitima é forçada a fazer algo que não quer fazer (ou deixar de fazer algo que quer fazer) porque o criminoso a está ameaçando ou porque a está, de alguma forma, violentando. Se ela não cooperar com o criminoso ela pode até sofrer conseqüências graves (por exemplo, ser morta), mas o criminoso não conseguirá seu intuito: tomar o seu bem.
 
Pelo que a matéria acima dá a entender, trata-se de uma grande quantia de dinheiro e não um valor que estaria na caixa registradora. E onde colocamos essas grandes quantias de dinheiro? No banco. Oras, o criminoso só vai ter acesso ao dinheiro que tenho no banco se ele de alguma forma conseguir me forçar a sacar esse dinheiro. Se eu não assinar o cheque, não digitar a senha ou não for ao banco retirar o dinheiro, o criminoso não vai conseguir seu intuito: o dinheiro (ainda que possa me matar, como retaliação pela minha recusa).
 
PS: Existe um pequeno erro no primeiro parágrafo da matéria: como ainda não há processo, eles ainda não podem ser chamados de acusados. Eles, por enquanto, são suspeitos (ou, se já tiverem sido indiciados pela polícia, de indiciados)

Olá amigos do Dizer o Direito,

Para aqueles que não viajaram no feriado e estão estudando neste domingo, vamos tratar hoje sobre um tema de grande relevância prática e que é constantemente cobrado nas provas de concurso: qual é o momento consumativo do crime de extorsão.

No informativo 502 do STJ há um recente julgado do STJ versando sobre essa questão.

Antes de respondermos à pergunta, como é de costume, vamos fazer uma breve revisão sobre o crime de extorsão.

O Código Penal prevê o crime de extorsão nos seguintes termos:

Art. 158. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa:Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

Em que consiste o crime:

O agente, usando de violência ou de grave ameaça, obriga outra pessoa a ter determinado comportamento, com o objetivo de obter uma vantagem econômica indevida.

A vítima é coagida pelo autor do crime a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa.

Ex: “A” exige que “B” assine um cheque em branco em seu favor, senão contará a todos que “B” possui um caso extraconjugal.

Ex2: Golpe do falso sequestro via celular. “A” (de um presídio em SP) liga para “B” (em Brasília) e afirma que sua filha foi sequestrada exigindo, por meio de ameaças, depósito de dinheiro em determinada conta bancária. Obs: o juízo competente é o do local onde estava a pessoa que recebeu os telefonemas (STF ACO 889/RJ).

Diferenças entre extorsão e roubo:

Extorsão

Roubo

O agente faz com que a vítima entregue a coisa (o verbo é constranger).

Na extorsão há a tradição da coisa (traditio).

O agente subtrai a coisa pretendida

(o verbo é subtrair).

No roubo há a subtração da coisa (concretatio).

A colaboração da vítima é indispensável.

Se a vitima não quiser fazer, não tem como o agente fazer sozinho.

A colaboração da vítima é dispensável.

Se a vitima não quiser fazer, existe como o agente fazer sozinho.

A vantagem buscada pelo agente pode ser contemporânea ao constrangimento ou posterior a ele.

A vantagem buscada (coisa alheia móvel) é para agora (imediata).

A vantagem econômica indevida pode ser um bem móvel ou imóvel.

A vantagem econômica indevida somente pode ser um bem móvel.


Para você guardar, no entanto, a principal diferença entre os delitos está na necessidade ou não de que a vítima colabore:

“No crime de roubo existe uma total submissão da vítima à vontade do agente. A subtração, independentemente da vontade do ofendido, ocorrerá, haja vista que o agente pode, mediante ato próprio, apoderar-se do objeto desejado. Na extorsão, ao contrário, é evidente a dependência de um ato da vítima para a configuração do delito.” (HC 182.477/DF, Min. Jorge Mussi, julgado em 07/08/2012).

É possível reconhecer continuidade delitiva entre roubo e extorsão?

NÃO. A jurisprudência do STF e do STJ pacificou-se no sentido de que aos crimes de roubo e de extorsão não se aplica o instituto da continuidade delitiva, considerando que não são delitos da mesma espécie.

É possível reconhecer concurso material entre roubo e extorsão quando o agente, por meio de mais de uma ação, pratica os núcleos dos verbos dos dois tipos penais?

SIM, segundo entendimento do STF e STJ.

Ex: o agente, ameaçando a vítima com uma arma, subtrai seu carro e dinheiro que ela tinha na bolsa. Em seguida, leva a vítima até um caixa eletrônico e exige, mediante grave ameaça, que ela diga a senha de seu cartão, conseguindo, então, efetuar saques em sua conta corrente. Haverá, nesse caso, concurso material entre roubo e extorsão.

De acordo com o STJ, vê-se claramente a existência de duas ações praticadas pelo criminoso. A primeira consistiu no ato de tomar para si os pertences encontrados em posse da vítima. Logo em seguida, com desígnio distinto, obrigou-lhe a revelar a senha de sua conta bancária e dirigir-se a um caixa eletrônico para sacar quantia em dinheiro. Muito embora as ações tenham ocorrido em um curto espaço de tempo, não se pode falar em ação única (HC 182.477/DF, Min. Jorge Mussi, julgado em 07/08/2012).

Principais pontos cobrados nas provas:

Elemento subjetivo: 

É o dolo, acrescido de um especial fim de agir (elemento subjetivo específico).

Qual é o especial fim de agir?

O intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica.

Qual é o momento consumativo da extorsão?

Trata-se de crime FORMAL (também chamado de consumação antecipada ou resultado cortado).

A extorsão se consuma no momento em que a vítima, depois de sofrer a violência ou grave ameaça, realiza o comportamento desejado pelo criminoso.

Consumação = constrangimento + realização do comportamento pela vítima

Atenção: o fato da vítima ter realizado o comportamento exigido pelo agente não significa que este tenha obtido a vantagem indevida. Ex: “A” exige que “B” assine um cheque em branco em seu favor, senão contará a todos que “B” possui um caso extraconjugal. “B” cede à chantagem e assina o cheque. Ocorre que, depois, arrepende-se e susta o cheque. Nesse caso, houve consumação do delito mesmo sem ter o agente conseguido sacar o dinheiro.

Para fins de consumação não importa se o agente consegue ou não obter a vantagem indevida. Esta obtenção da vantagem constitui mero exaurimento, que só interessa para a fixação da pena.

Súmula 96-STJ: O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida.

Caso julgado pelo STJ no informativo 502 (com nomes fictícios):

João exigiu que Maria, sua ex-mulher, entregasse a quantia de 300 reais e, ainda, que retirasse os boletins de ocorrência contra ele registrados, deixando-o ver os filhos nos finais de semana. O agente prometeu matar Maria caso ela não fizesse o que ele ordenou.

A vítima não se submeteu à exigência, deixando de realizar a conduta que João procurava lhe impor, tendo então buscado auxílio policial.

O Ministério Público alegou que o delito estava consumado e a defesa que se tratou de mera tentativa.

O que decidiu o STJ?

Houve apenas tentativa de extorsão. Não se consuma o crime de extorsão quando, apesar de ameaçada, a vítima não se submete à vontade do criminoso.

Sexta Turma. REsp 1.094.888-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 21/8/2012.

Resumindo as etapas do crime:

Se o agente constrange a vítima, mas ela não faz o que foi exigido.

Tentativa

Se o agente constrange a vítima e ela faz o que foi exigido, mas não se consegue a vantagem econômica.

Consumado

Se o agente constrange a vítima, ela faz o que foi exigido e se consegue a vantagem econômica.

Consumado

(a obtenção da vantagem é mero exaurimento do delito)

Como vimos, essa distinção se o crime é formal ou material não tem importância meramente acadêmica, sendo muito relevante na prática. Veja dois outros aspectos que são diretamente influenciados pelo fato da extorsão ser crime formal:

Prescrição

Flagrante

Se a extorsão fosse crime material, a prescrição somente começaria a correr na data da obtenção da vantagem indevida.

No entanto, como a extorsão é crime formal, o prazo de prescrição tem início no dia em que o agente constrangeu a vítima, não importando a data do recebimento da vantagem.

Se a extorsão fosse crime material, o agente poderia ser preso no momento em que estivesse recebendo a vantagem.

No entanto, como a extorsão é crime formal, a prisão em flagrante deverá levar em consideração o momento em que houve o agente constrangeu a vítima, para saber se há situação de flagrância, nos termos do art. 302 do CPP. Se o constrangimento for feito em um momento e a obtenção da vantagem em outro, o que importa para o flagrante é o instante do constrangimento.

Assim, se o agente constrangeu a vítima a dar o seu cartão bancário e senha em um dia e somente foi sacar a quantia três dias depois, nesse momento do saque não haverá mais flagrante.


Vejam como esse assunto é bastante exigido nas provas:

1. (Promotor MP/SP – 2010) O elemento subjetivo do delito de extorsão é o dolo, sendo prescindível o fim especial de agir. (     )

2. (Procurador da República – 2005) A jurisprudência do STF e do STJ desautoriza dizer que o crime de extorsão não se consuma sem a obtenção da vantagem indevida. (     )

3. (Promotor MP/RR – 2012) Para a consumação do crime de extorsão, incluído entre os delitos patrimoniais, é imprescindível a obtenção, pelo agente, de indevida vantagem econômica para si ou para outrem. (     )

4. (Juiz TJ/PA – 2012) Configura-se mera tentativa de extorsão o fato de o ameaçado vencer o temor inspirado e deixar de atender à imposição do agente, solicitando, confiantemente, a intervenção policial. (     )

5. (Juiz TJ/CE – 2012) A jurisprudência dos tribunais superiores pacificou-se no sentido de que aos crimes de roubo e de extorsão aplica-se o instituto da continuidade delitiva, pois, a despeito de não serem delitos da mesma espécie, estão intimamente ligados por nexo funcional. (     )

6. (Delegado/PB – CESPE – 2009) Se o agente, após subtrair os pertencentes da vítima com grave ameaça, obriga-a a entregar o cartão do banco e a fornecer a respectiva senha, há concurso formal entre os crimes de extorsão e roubo, pois são crimes da mesma espécie, isto é, contra o patrimônio. (     )

7. (Promotor/CE – 2009) É admissível o arrependimento posterior no crime de extorsão. (     )

8. (Promotor/RS – 2008) De acordo com a orientação jurisprudencial dominante, o crime de extorsão:

a) só pode ter como objeto coisa alheia móvel.

b) não admite tentativa.

c) consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida.

d) pode visar a obtenção de vantagem devida.

e) pode não ter fim econômico.

Gabarito:

1. E

2. C

3. E

4. C

5. E

6. E

7. E

8. Letra C



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