RECURSO ESPECIAL Nº 1.622.331 – SP (2012/0179349-2) RELATOR: MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA RECORRENTE: MADELEINE ACCO – ESPÓLIO REPR. POR: PIERO ACCO – INVENTARIANTE ADVOGADO: ALESSANDRO FUENTES VENTURINI E OUTRO(S) – SP157104 RECORRIDO: ESTADO DE SÃO PAULO PROCURADOR: SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS – SE000000M EMENTA RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. HERANÇA. ACEITAÇÃO TÁCITA. ART. 1.804 DO CÓDIGO CIVIL. ABERTURA DE INVENTÁRIO. ARROLAMENTO DE BENS. RENÚNCIA POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 1.809 E 1.812 DO CÓDIGO CIVIL. ATO IRRETRATÁVEL E IRREVOGÁVEL. 1. A aceitação da herança, expressa ou tácita, torna definitiva a qualidade de herdeiro, constituindo ato irrevogável e irretratável. 2. Não há falar em renúncia à herança pelos herdeiros quando o falecido, titular do direito, a aceita em vida, especialmente quando se tratar de ato praticado depois da morte do autor da herança. 3. O pedido de abertura de inventário e o arrolamento de bens, com a regularização processual por meio de nomeação de advogado, implicam a aceitação tácita da herança. 4. Recurso especial não provido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze. Brasília (DF), 08 de novembro de 2016(Data do Julgamento) Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA Relator RECURSO ESPECIAL Nº 1.622.331 – SP (2012/0179349-2) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pelo Espólio de Madeleine Acco (e-STJ fls. 159-168), representado pelo inventariante, seu irmão Piero Acco, com fulcro nas alíneas “a” e “c” do artigo 105, inciso III, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado:
Consta dos autos que Madeleine Acco faleceu deixando como herdeiros necessários seu pai – Moise Salomon Acco – e seu irmão Piero Acco -, que, em conjunto, ajuizaram ação de inventário e arrolamento de bens, que tramita perante a 1ª Vara de Família e das Sucessões do Foro Central/SP (Processo nº 0159003-41.2007.8.26.0100). Todavia, 30 (trinta) dias após a interposição da referida ação, o herdeiro Moise Salomon Acco também veio a falecer. Em virtude desse fato, Piero Acco, filho do falecido e irmão de Madeleine Acco, pré-morta, formulou o pedido de renúncia em nome de Moise Salomon Acco à herança de sua filha. O juízo monocrático indeferiu o pedido de renúncia à herança formulado por Piero Acco, representando o seu pai, por entender que o genitor já havia dado sua aceitação, ainda que tácita, tanto que ajuizou a ação de arrolamento e inventário em conjunto com seu filho, como se afere da seguinte decisão:
O ora recorrente, em seu agravo de instrumento, aduziu que, na qualidade de único representante do herdeiro morto, seu genitor, poderia renunciar à herança em seu lugar, nos termos do art. 1.809 do Código Civil de 2002. Reitera que o fato do falecido ter regularizado sua representação processual nos autos do inventário de sua filha, pré-morta, não poderia caracterizar uma aceitação tácita à herança. O Tribunal de origem, ao desprover o agravo de instrumento, manteve incólume a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau, nos termos da já citada ementa e da seguinte fundamentação:
A aceitação se dá de forma expressa ou tácita , nos termos do art. 1.805 do mesmo diploma: ‘A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração escrita; quando tácita, há de resultar tão-somente de atos próprios da qualidade de herdeiro.’ No caso vertente, o agravante e seu genitor ingressaram com ação de arrolamento de bens e, para tanto, constituíram patrono (vide f. 02/05– f. 08/11 destes autos). Tratando-se, portanto, de hipótese de aceitação – tácita, segundo Silvio Salvo Venosa:
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (e-STJ fls. 145-149). O Espólio de Madeleine Acco, representado por seu inventariante Piero Acco, sustenta, nas razões do recurso especial (e-STJ fls. 159-168 e-STJ), além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 1.804, 1.806 e 1.809 do Código Civil de 2002 e 983 do Código de Processo Civil de 1973. Afirma ser o único herdeiro de seu pai – Moise Salomon Acco -, motivo pelo qual pode renunciar, em seu nome, à herança transmitida por Madeleine Acco, sua filha pré-morta e irmã do recorrente. Aduz que a morte de seu pai ocorreu antes de ter aceitado a herança da filha, incumbência que é transferida ao herdeiro. Sustenta que a mera abertura de inventário decorre de obrigação legal e não configura aceitação tácita da herança. No que tange ao dissídio jurisprudencial, aponta como acórdão paradigmático o REsp nº 431.695/SP, de relatoria do Ministro Ari Pargendler, Terceira Turma (DJ 5/8/2002), que retrata o entendimento de que a “renúncia à herança depende de ato solene, a saber, escritura pública ou termo nos autos de inventário” e que a “petição manifestando a renúncia, com a promessa de assinatura do termo judicial, não produz efeitos sem que essa formalidade seja ultimada” (e-STJ fls. 166-167). Sem as contrarrazões (e-STJ fl. 179), e inadmitido o recurso especial na origem (e-STJ fls. 180-181), subiram os autos a esta Corte por força de decisão proferida em agravo (e-STJ fls. 203-204). O Ministério Público Federal, instado a se manifestar, por meio do seu representante, o Subprocurador-Geral da República Maurício de Paula Cardoso, deixou de opinar (e-STJ fls. 198-201). É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 1.622.331 – SP (2012/0179349-2) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): A irresignação não merece prosperar. Cinge-se a controvérsia recursal a analisar se o pedido de abertura de inventário e arrolamento de bens, com a regularização processual por meio de nomeação de advogado, implicam a aceitação tácita da herança, ato que é irrevogável, nos termos do art. 1.812 do Código Civil de 2002. A resposta é desengadamente positiva. À luz do art. 1.804 do CC, “aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a abertura da sucessão. Parágrafo único: A transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança”. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de A. Nery, ao comentarem tal dispositivo, ensinam que:
No mesmo sentido é a lição de Cristiano Chaves:
É conveniente realçar que ‘tendo o aceitante realizado atos próprios da qualidade de herdeiro, é irrevogável a aceitação da herança, sendo nula a renúncia posterior, mesmo que homologada judicialmente’, consoante a correta visão da jurisprudência gaúcha, uma vez que a aceitação tácita (comportamental) também é irrevogável (…)”. (Direito das Sucessões e o Novo Código Civil, Coordenadores Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Rodrigo da Cunha Pereira, Belo Horizonte, 2004, Editora Del Rey e IBDFAMm págs. 43-44 – grifou-se) Impõe-se o reconhecimento tácito da aceitação da herança da filha pré-morta visto ter ocorrido a regularização processual no inventário por parte de Moise Salomon Acco, seu pai, que veio a falecer 30 (trinta) dias após o ingresso da referida ação. A sua aceitação infere-se da prática de um ato próprio de quem se reputa herdeiro e demonstra de forma concludente sua intenção em aderir à herança. O exercício do direito pela via judicial conferiu a qualidade de herdeiro ao pai do ora recorrente. Ao assumir tal condição, resta vedado ao seu herdeiro renunciar à sucessão da filha em seu lugar, tendo em vista que a aceitação é irretratável. É, por isso, desprovido de valor qualquer renúncia posterior à aceitação da herança, garantindo-se, em última análise, a segurança jurídica, especialmente no que tange ao interesse de terceiros em face do espólio. Extrai-se idêntica conclusão de julgado retratado na Revista dos Tribunais:
Registre-se, por oportuno, consoante o teor do art. 1.805, § 1º, do Código Civil 2002, que a prática de atos oficiosos, tais como o pagamento das despesas do funeral, de atos meramente conservatórios ou de atos de administração e guarda provisória de bens, não caracterizam a aceitação tácita, por revelarem, em verdade, “uma satisfação de ordem mais moral do que jurídica, decorrendo de sentimentos humanísticos ou de solidariedade, não trazendo potencialidade para caracterizar a aceitação da herança “. (Cristiano Chaves, Curso de Direito Civil, Sucessões, 2ª Edição, 2006, pág. 215) Aliás, o art. 1.809 do CC, ao prever que, “falecendo o herdeiro antes de declarar se aceita a herança, o poder de aceitar passa-lhe aos herdeiros, a menos que se trate de vocação adstrita a uma condição suspensiva, ainda não verificada “, significa dizer que transfere-se de fato aos herdeiros a faculdade de renunciar a ela, desde que o antecessor, pré-morto, não tenha agido como seu titular, o que não é o caso dos autos, tendo em vista que seu pai agiu como herdeiro, demonstrando interesse pela herança da filha. Assim, a menos que o herdeiro fale antes de agir como sucessor, será transmitido o direito de renunciar. É o que se chama, nas palavras de Maria Berenice Dias, de “direito de representação por transmissão, ou seja, a faculdade assegurada aos sucessores de renunciar à herança recebida por seu antecessor (Manual das Sucessões, Manual das Sucessões, 3ª Edição, Revista dos Tribunais, pág. 224). A prévia aceitação tácita da herança afasta, de pronto, a possibilidade de renúncia à herança, porquanto ato irrevogável. A renúncia buscada pelo recorrente caracterizaria a inexistência de transmissão hereditária, bem como a não incidência tributária, todavia, somente poderia ser formalizada antes da aceitação da herança pelo herdeiro, que, no caso, existiu e merece restar hígida. Ao fim e ao cabo, pretende o recorrente dispor de direito que não lhe pertence. Por sua vez, a lei consagra o princípio que proíbe a prática de comportamento contraditório, conhecido pelo brocardo “nemo potest venire contra factum proprium”. Em outras palavras: uma vez agindo como herdeiro, não há mais como deixar de sê-lo. Por isso, por qualquer ângulo que se analise a questão, percebe-se que o entendimento proferido pelas instâncias ordinárias merece ser mantido incólume. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. É o voto. CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA Número Registro: 2012/0179349-2 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.622.331 / SP Números Origem: 1590034120078260100 20120000125987 927711720118260000 PAUTA: 08/11/2016 JULGADO: 08/11/2016 Relator Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS ALPINO BIGONHA Secretária Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA AUTUAÇÃO RECORRENTE : MADELEINE ACCO – ESPÓLIO REPR. POR: PIERO ACCO – INVENTARIANTE ADVOGADO: ALESSANDRO FUENTES VENTURINI E OUTRO(S) – SP157104 RECORRIDO: ESTADO DE SÃO PAULO PROCURADOR: SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS – SE000000M ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Sucessões – Inventário e Partilha CERTIDÃO Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze. |