Comparar com a Constituição outorgada de 1824

A Constituição de 1824, outorgada em 25 de março de 1824, foi a primeira Constituição do Brasil e foi elaborada para atender aos interesses do imperador d. Pedro I em não ter os seus poderes limitados pelo Legislativo. Essa Constituição foi elaborada por um pequeno conselho, depois que a Carta proposta pela Constituinte havia sido rejeitada pelo imperador.

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Contexto

A elaboração da Constituição de 1824 estava inserida no contexto de independência e consolidação do Brasil enquanto nação. O Brasil havia declarado a sua independência no dia 7 de setembro de 1822 como resultado dos desentendimentos entre as Cortes portuguesas e as elites econômicas e políticas brasileiras.

As Cortes desejavam “recolonizar” o Brasil, enquanto as elites daqui procuravam manter o nível de autonomia conquistado durante o Período Joanino. Essa diferença nos interesses e a postura cada vez mais intransigente das Cortes permitiram que se instaurasse no país um clima favorável pela sua independência.

Enquanto a ideia de independência conquistava adeptos entre as elites, começaram a se desenvolver propostas que defendiam a necessidade de uma Assembleia Constituinte no país. Por meio dela o país poderia ter uma Constituição, representação política, e poderia formular caminhos para ser administrado.

A pressão sobre d. Pedro para que ele convocasse uma Constituinte era muito grande, e ele atendeu ao interesse por ela porque sabia que não haveria clima para que ele pudesse governar o país sozinho. A convocação para a composição da Constituinte ocorreu no dia 3 de junho de 1822, quando o Brasil ainda não era independente.

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Assembleia Constituinte de 1823

Comparar com a Constituição outorgada de 1824
O imperador d. Pedro I não aceitou a Constituição da Mandioca, proposta pela Assembleia Constituinte em 1823.

Depois de declarada a independência, foi realizada a primeira eleição do Brasil como uma nação autônoma. Essa eleição definiu a composição da Assembleia Constituinte, a instituição que realizaria o debate da primeira Constituição do Brasil. Essa eleição ocorreu pelo voto indireto.

Funcionou assim:

  • O eleitor elegia os compromissários;
  • Os compromissários elegiam os eleitores da paróquia;
  • Os eleitores da paróquia elegiam os eleitores da comarca;
  • Os eleitores da comarca elegiam os deputados da Constituinte.

Esse sistema elegeu 100 deputados de todas as províncias brasileiras. O jornalista Chico Castro definiu os grupos que tomaram parte dessa instituição: bacharéis, padres, magistrados, grandes proprietários de terras, funcionários públicos, militares e médicos|1|. Em resumo, podemos dizer que só pessoas vinculadas à elite econômica e intelectual do Brasil garantiram presença.

A primeira sessão dessa Assembleia aconteceu no dia 17 de abril de 1823, mas somente 52 deputados estavam presentes. Isso aconteceu porque algumas províncias do Brasil, como a Cisplatina, não haviam mandado seus representantes para o Rio de Janeiro. Nesse primeiro momento, a relação dos constituintes com o imperador era muito boa.

O trabalho da Constituinte se iniciou no dia 3 de maio de 1823. A primeira sessão tratou diretamente da questão da nova Constituição brasileira. Os trabalhos se estenderam ao longo do ano de 1823, e, dentro da Assembleia, existiam três posições políticas perceptíveis:

  • Liberais: defendiam algumas liberdades civis e o estabelecimento de uma monarquia constitucional;
  • Liberais exaltados: defendiam mudanças políticas e sociais profundas, e muitos eram republicanos;
  • Portugueses: defendiam o estabelecimento de uma monarquia absolutista.

Liberais e liberais exaltados ficaram conhecidos como partido brasileiro, enquanto os portugueses formaram o partido português. Esses grupos entraram em choque frequentemente ao longo dos trabalhos da Constituinte, e, com o tempo, d. Pedro I foi se colocando cada vez mais ao lado dos portugueses, o que aumentou o desgaste do imperador com os membros do partido brasileiro.

Apesar dessas questões, o trabalho seguiu, e, em 1823, saiu o projeto da primeira Constituição do Brasil. Ela ficou conhecida como Constituição da Mandioca porque estabelecia que somente brasileiros com renda anual similar a 150 alqueires de mandioca é que poderiam votar. Essa proposta azedou definitivamente as relações do imperador com o partido brasileiro.

A Constituição de 1823 estabelecia limitações para o poder do imperador, colocando-o sujeito às decisões tomadas pelo Legislativo. Além disso, essa Carta não permitia que portugueses ocupassem cargos na política brasileira. Boatos de que o imperador interviria na situação começaram a se espalhar pelo Rio de Janeiro.

No dia 12 de novembro de 1823, d. Pedro I mobilizou tropas do Exército, cercou a Assembleia e anunciou a sua dissolução. Isso aconteceu, principalmente, porque o imperador não aceitou ter seus poderes limitados pelo Legislativo. A Constituinte foi encerrada, e alguns deputados foram obrigados a se retirar do país. Esse acontecimento recebeu o nome de Noite da Agonia.

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Comparar com a Constituição outorgada de 1824
Juramento de d. Pedro I à Constituição de 1824.

Depois de dissolver a Constituinte, d. Pedro I formou um conselho com pessoas próximas a ele, e uma nova Constituição foi elaborada. Essa Constituição foi outorgada em 25 de março de 1824, sendo oficialmente a primeira Constituição do Brasil enquanto uma nação independente. Essa Carta concretizou a vontade de d. Pedro I de manter poderes irrestritos. A palavra outorgada significa que a Carta em questão foi imposta pela vontade de d. Pedro I.

O principal desejo do imperador foi inteiramente atendido, com o estabelecimento de Quatro Poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador. O Poder Moderador era representado pelo próprio imperador e estava acima dos demais poderes. O imperador tinha atribuições diversas e amplos poderes no país.

As historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling apontam que, por meio da Constituição de 1824, o imperador era o detentor da força coativa e poderia “nomear e demitir livremente ministros de Estado, membros vitalícios do Conselho de Estado, presidentes de província, autoridades eclesiásticas, o Senado vitalício, magistrados do poder Judiciário, […] ministros do poder Executivo”|2|.

Entre outras determinações da Constituição de 1824, destacaram-se:

  • O Brasil se estabelecia enquanto uma monarquia constitucional, hereditária e representativa;
  • O país se dividia em províncias, e o presidente de cada província era nomeado pelo imperador;
  • As eleições seriam indiretas, e o direito ao voto era censitário, estabelecendo que os votantes deveriam ter renda anual mínima de 100 mil-réis;
  • A Igreja Católica foi submetida à autoridade do imperador (padroado);
  • Deputados (cargo temporário) eram eleitos por eleição indireta, e o imperador nomearia um entre os três senadores mais votados (cargo vitalício);
  • A escravidão foi mantida.

A Constituição de 1824 esteve em vigor até o fim da monarquia, em 1889.

Por Daniel Neves
Professor de História

A Constituição Política do Império do Brasil, vulgo Constituição de 1824, foi a primeira e única constituição do Brasil Imperial, bem como a primeira constituição a reger o território brasileiro (Portugal adotou só sua primeira constituição em 1822). Outorgada pelo imperador D. Pedro I e vigente até a declaração da república em 1889, essa Constituição foi a mais longeva e estável do Brasil, sendo marcada por peculiaridades como o Poder Moderador e esforços sinceros de se criar uma sociedade progressista, estabelecendo o voto (indireto e censitário) e direitos civis aos cidadãos. Segundo consenso de historiadores e cientistas políticos, a Constituição de 1824 foi, em seu tempo, uma das mais liberais do mundo e talvez a mais liberal das Américas, excetuando-se a norte-americana.

Conteúdo deste artigo

A Constituição de 1824 diferencia-se da atual (1988) por ter sido outorgada (efetivada sem participação popular) e semi-rígida (possibilitava modificações em seu texto). Em todo o resto, as características são idênticas, sendo ela uma Carta formal e escrita (é um documento sistematizado de regras), analítica (ou prolixa, dispondo minuciosamente sobre vários tópicos) e dogmática (elaborada por um órgão constituinte).

Um produto da independência brasileira, a Constituição de 1824 surgiu da necessidade de legitimar o novo império e de formalizar um equilíbrio entre as várias classes sociais que disputavam o poder político após o fim do regime português, especialmente os escravocratas, que temiam revoltas da população majoritariamente escrava, e os imigrantes ainda leais a Portugal ("Partido Português"). O imperador D. Pedro I também desejava criar uma constituição liberal, não despótica, aos moldes do que ocorria na Europa, portanto ele permitiu que o Conselho de Estado, composto por eminentes juristas, redigisse uma Carta de modo a controlar (ou tentar) os poderes do monarca. Em forma e conteúdo, o texto final tem clara inspiração na Constituição Francesa de 1814.

Divisão de poderes

A Constituição de 1824 é mais conhecida por sua peculiar divisão de poderes, com a inclusão do Poder Moderador entre o executivo, legislativo e judiciário. Com o objetivo declarado de resolver impasses e disputas, o Poder Moderador, na prática, foi uma maneira de assegurar a autoridade do Imperador sobre os demais poderes; liberal nas intenções, a Constituição foi centralizadora na prática, sendo que o Imperador era também a autoridade máxima do Executivo (com os ministros como auxiliares) e podia adiar seções da Assembleia Geral (equivalente ao Congresso Nacional) ou dissolver a Câmara dos Deputados.

Direitos civis e religião

Notadamente, o título oitavo da Constituição garantiu alguns direitos inalienáveis a todos os cidadãos brasileiros, considerado "cidadão" qualquer pessoa livre natural ou naturalizada no Brasil: o direito à liberdade, à segurança pessoal e à propriedade. No âmbito religioso, ela estabeleceu o catolicismo como única religião oficial do Estado, havendo liberdade de culto a outras religiões somente no âmbito doméstico, ou seja, sem demonstrações em local público. Apesar desta restrição, a liberdade religiosa era ampla na prática.

O estabelecimento do voto para o poder legislativo (Assembleia Geral) foi a tentativa de conferir um caráter popular à Carta, limitado pelo fato de este ser indireto (cidadãos votavam em Eleitores de Província, que então escolhiam os parlamentares) e censitário (limitado por condições financeiras). Embora as eleições primárias fossem permitidas a qualquer cidadão, os Eleitores de Província deviam ser homens livres, sem antecedentes criminais e com renda anual superior a 200 mil réis. Para candidatos a deputado, o valor subia para 400 mil réis, com a exigência de seguir a religião oficial; para senadores, cujo cargo seria vitalício, o valor era de 800 mil réis, mais idade mínima de quarenta anos.

Referências bibliográficas:
IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil. Brasília: Planalto do Governo. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.

"As Constituições do Brasil". Supremo Tribunal Federal, Brasília, Out. 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=97174>.