A quem se dirige a voz no poema justifique sua resposta com elementos do texto



A quem se dirige a voz no poema justifique sua resposta com elementos do texto

Você vai ler, a seguir, um trecho da 5ª parte de "O navio negreiro - Tragédia no mar", um dos poemas da obra Os escravos, de Castro Alves. Nesse poema, publicado pela primeira vez em 1868, o poeta retrata o transporte de negros escravos ao Brasil, prática comercial proibida em 1850, com a Lei Eusébio de Queirós.

V

Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se é loucura... se é verdade

Tanto horror perante os céus...

Ó mar! por que não apagas

Co'a esponja de tuas vagas

De teu manto este borão?...

Astros! noite! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados,

Que não encontram em vós,

Mais que o rir calmo da turba

Que excita a fúria do algoz?

Quem são?... Se a estrela se cala,

Se a vaga à pressa resvala

Como um cúmplice fugaz,

Perante a noite confusa...

Dize-o tu, severa musa,

Musa libérrima, audaz!

São os filhos do deserto

Onde a terra esposa a luz,

Onde voa em campo aberto

A tribo dos homens nus...

São os guerreiros ousados,

Que com os tigres mosqueados

Combatem na solidão...

Homens simples, fortes, bravos.

Hoje míseros escravos

Sem luz, sem ar, sem razão...

São mulheres desgraçadas

Como Agar o foi também,

Que sedentas, alquebradas,

De longe... bem longe vêm...

Trazendo com tíbios passos,

Filhos e algemas nos braços,

N'alma - lágrimas de fel.

Como Agar sofrendo tanto

Que nem o leite do pranto

Têm que dar para Ismael...

[...]

Ontem a Serra Leoa

A guerra, a caça ao leão,

O sono dormido à toa

Sob as tendas d'amplidão...

Hoje... o porão negro, fundo,

Infecto, apertado, imundo,

Tendo a peste por jaguar...

E o sono sempre cortado

Pelo arranco de um finado,

E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,

A vontade por poder...

Hoje... cúm'lo de maldade

Nem são livres p'ra... morrer...

Prende-os a mesma corrente

- Férrea, lúgubre serpente -

Nas roscas da escravidão,

E assim roubados à morte,

Dança a lúgubre coorte

Ao som do açoite... Irrisão!...

1. O eu lírico de um poema pode-se dirigir a alguém ou a algo que esteja presente ou ausente, que seja animado ou inanimado, concreto ou abstrato, para exprimir lamentos, pedidos, censuras. Esse recurso retórico é uma figura de linguagem, chamada apóstrofe.

a. Identifique as apóstrofes empregadas nas duas primeiras estrofes do poema.

b. Nessas duas estrofes, que pedidos o eu lírico faz aos seus interlocutores?

c. Que efeito o emprego das apóstrofes produz no texto?

2. A partir da terceira estrofe, há uma mudança de voz no poema.

a. De quem é essa voz?

b. Que informações essa nova voz introduz no poema? Justifique sua resposta com elementos do texto.

3. Na terceira estrofe, há o retrato dos escravos negros.

a. Nessa estrofe, o poeta associa a ideia de liberdade a imagens que evocam luminosidade e movimento. Que palavras ou expressões sugerem luminosidade? Quais sugerem movimento?

b. No último verso dessa estrofe, o poeta emprega uma gradação. Que efeito de sentido o uso dessa figura de linguagem produz no texto?

c. Nessa gradação, aparece a expressão sem razão. De acordo com o contexto, que sentidos podem ser atribuídos a essa expressão?

4. Na quarta estrofe, o poeta emprega, para retratar a figura da escrava negra, simultaneamente, uma comparação e uma hipérbole.

a. Identifique e explique tais figuras de linguagem nessa estrofe.

b. Que efeito de sentido a hipérbole produz no texto?

5. Para retratar o navio negreiro, o poeta cria também imagens que associam, simultaneamente, movimento e sonoridade.

a. Identifique na quinta estrofe palavras ou expressões que representam tais imagens.

b. O que a "dança", na sexta estrofe, representa?

c. Quem são os autores da "irrisão"? Explique.

6. O poeta produziu esse poema em um momento em que não havia mais o tráfico negreiro, mas a escravidão ainda vigorava. Com base no estudo realizado, conclua: Que estratégias o poeta utiliza para convencer seu ouvinte/leitor de que a escravidão devia ser extinta?


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                               Ferreira Gullar

O preço do feijão não cabe no poema. O preço O preço do arroz não cabe no poema. Não cabem no poema o gás a luz o telefone a sonegação

do leite 

da carne do açúcar do pão O funcionário público não cabe no poema com seu salário de fome sua vida fechada em arquivos. Como não cabe no poema o operário que esmerila seu dia de aço e carvão nas oficinas escuras - porque o poema, senhores, está fechado: "não há vagas" Só cabe no poema o homem sem estômago a mulher de nuvens a fruta sem preço O poema, senhores, não fede nem cheira

                              Ferreira Gullar, in 'Antologia Poética' 

Entendendo o poema:


01 – Onde é comum encontrar a expressão “não há vagas”, que dá nome ao poema?

      Expressão típica do mundo do emprego, das relações patrão e empregado, indica falta de oportunidade.

02 – Que imagem esse título ajuda a construir no poema?

      À falta de oportunidades no mercado de trabalho.

03 – Como você interpretaria no poema a expressão “o homem sem estômago”?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Aquele, remediado ou rico, cujas preocupações não se voltam para as questões básicas de subsistência.

04 – Que artigos de primeira necessidade aparecem na primeira estrofe?

      Os itens: feijão, arroz, gás, luz, telefone, leite, carne, açúcar e pão.  

05 – De acordo com o contexto do poema, qual o significado de sonegar?

      Pressupõe furtar, fraudar, desviar.

06 – Na segunda estrofe são destacados dois sujeitos que também não cabem no poema. Quem? Por quê?

      O funcionário público e o operário. O primeiro, com seu “salário de fome” tem a “vida fechada / em arquivos”. O operário por sua vez, ao esmerilar o seu “dia de aço” nas “oficinas escuras”.

07 – O que o poeta quis dizer com:

·        “Mulher de nuvens”?

      A mulher idealizada, objeto de abstração. 

·        “Fruta sem preço”?

Aquela apenas admirada nas formas, se exposta na obra de arte, e não aquela comprada nos tablados da feira.

08 – Na última estrofe: “O poema, senhores, 

                                       não fede 

                                       nem cheira.”

O que o poeta afirma?

      Afirma que o poema apenas idealiza a vida – tanto faz existir ou não, é indiferente.

09 – Quem é o autor do poema?

      Ferreira Gullar.

10 – Como o poeta se refere aos operários da fábrica?

      Como não cabe no poema o operário que esmerila seu dia de aço e carvão nas oficinas escuras.

11 – Você concorda com as ideias do poeta? Explique sua resposta.

      Resposta pessoal do aluno.

12 – Em sua opinião, o que o autor quis dizer com a expressão “Não há vagas”?

      Resposta pessoal do aluno.

13 – Você conhece pessoas que exercem atividades citadas no poema?

      Resposta pessoal do aluno.

14 – Sobre o poema Não há vagas, de Ferreira Gullar, é correto afirmar:

a) Ao ser aproximada de um ato lúdico como o fazer poesia, a crítica social é atenuada e perde força.

b) A ruptura com o verso tradicional situa o poema no contexto da primeira geração modernista.

c) Nota-se uma conjunção entre a reflexão sobre o fazer poético e a preocupação com a realidade social adversa.

d) A crítica política e a reflexão sobre a literatura presentes no poema configuram exceção na produção poética de Ferreira Gullar.

e) Trata-se de texto poético que destoa do conjunto da obra Toda poesia por utilizar redondilhas maiores e menores. 

15 – Sobre a obra de Ferreira Gullar estão corretas as seguintes proposições:

I. Uma das principais características da obra de Ferreira Gullar é a reflexão sobre a criação artística. Para o poeta, a poesia é fruto de um trabalho árduo, racional, que implica fazer e desfazer o texto até que ele alcance a sua forma mais adequada.

II. Ferreira Gullar integrou o grupo de poetas religiosos que se formou no Rio de Janeiro entre as décadas de 1930 e 40. Sua poesia é dividida em duas fases: a fase transcendental e a fase material.

III. A poesia de Ferreira Gullar destaca-se pelo engajamento político. Essa produção poética engajada ganhou força a partir dos anos de 1960, quando o poeta rompeu com a poesia de vanguarda, aderindo ao Centro Popular de Cultura (CPC).

IV. Explorando propriedades gráficas e vocais das palavras, rompendo com a ortografia e com as convenções da lírica tradicional, Ferreira Gullar integrou de maneira circunstancial o movimento concretista, do qual se afastou em virtude de discordâncias em relação às suas propostas teóricas.

V. Propôs um corte profundo entre a poesia romântica e a poesia moderna, criando um novo conceito de poesia ao dessacralizar a chamada “poesia profunda”, ou seja, a poesia em que predominam os versos de sentimentos ou de abordagem introspectiva.

 Sua poesia é anti-lírica, presa ao real e direcionada ao intelecto, não às emoções.

a) I, II e V estão corretas.

b) III e IV estão corretas.

c) III e V estão corretas.

d) I e IV estão corretas.

e) II, III e IV estão corretas.

16 – O poema de Ferreira Gullar tem um tom de polêmica. A quem se dirige a voz que fala no poema? Justifique sua resposta com elementos do texto.

      A voz que fala no poema aparentemente se dirige a uma plateia, como se percebe pelo vocativo “senhores” da terceira e da última estrofes.

17 – Que tipo de linguagem o autor imita com o tom eloquente do poema?

      Ele imita a linguagem dos discursos de protestos políticos.

18 – Como você classificaria o poema de Gullar?

      O poema de Gullar faz parte da literatura engajada.

19 – Segundo Gullar, o que não cabe no poema?

      A dura realidade em que vive a maioria das pessoas não cabe no poema.