O período conhecido como a ”época de ouro” da música popular, entre 1930 e 1945, resultou da renovação musical trazida pela criação do samba, da marchinha e de outros gêneros urbanos, do forte crescimento da música caipira, da influência da música nordestina e do aparecimento de um grande número de talentosos artistas — compositores, cantores e músicos. Foi também fruto das inovações tecnológicas, como o rádio, a gravação eletromagnética do som e o cinema falado, que contribuíram para criar uma importante indústria cultural no país. Os artistas tinham lugar garantido nas gravadoras, emissoras de rádio e filmes musicais. A indústria fonográfica deu um salto. Em vez de forçar a voz nos registros musicais, como era necessário no tempo das gravações mecânicas, os cantores já podiam cantar num tom mais natural e espontâneo, graças à captação elétrica do som. O primeiro artista a se destacar nesse tipo de interpretação foi o cantor Mário Reis. A Turma do Estácio havia criado, nos anos 1920, o samba como conhecemos hoje, e esse ritmo logo se tornaria a música nacional por excelência. Compositores como Noel Rosa, Ismael Silva, Lamartine Babo e Braguinha produziram uma música urbana que falava do cotidiano dos brasileiros. Pixinguinha e Radamés Gnattali estabeleceram elevados padrões de arranjos e orquestração para nossa música. Durante o Estado Novo nossa música se consolidou, com o sucesso das composições de Ari Barroso, Dorival Caymmi, Ataulfo Alves, Wilson Batista, Mário Lago, Geraldo Pereira, David Násser, Herivelto Martins, Lupicínio Rodrigues e Haroldo Lobo, entre outros. Destacaram-se como cantores Mário Reis, Francisco Alves, Sílvio Caldas, Orlando Silva, Ciro Monteiro e Carlos Galhardo. Entre as cantoras, além de Cármen e sua irmã Aurora Miranda, Araci Cortes, Emilinha Borba, Araci de Almeida e Dircinha Batista, além de Linda e Marília Batista.
Ismael Silva, Nílton Bastos, os irmãos Alcebíades (Bide) e Rubem Barcelos, João Mina e Marçal formavam a chamada Turma do Estácio, que criou um samba diferente do tradicional, que era mais parecido com o maxixe. O novo samba — que passou a usar o surdo, inventado por Bide, e a cuíca, criada por João Mina — favoreceu o desfile dos carnavalescos pelas ruas e logo se tornaria o gênero mais gravado no país naquele período.
Responsável por alguns clássicos da música brasileira, como ”Com Que Roupa? ”, ”Último Desejo”, ”Conversa de Botequim”, ”Feitiço da Vila”, ”Tarzan — o Filho do Alfaiate”, ”Três Apitos” e ”Feitio de Oração”, Noel Rosa foi o grande sambista dos primeiros anos do governo Vargas. Mas não foi o único. O período foi rico para a música brasileira, com o aparecimento de compositores do nível de Ataulfo Alves, Dorival Caymmi, Herivelto Martins, Lupicínio Rodrigues, Geraldo Pereira, Mário Lago, Wilson Batista e tantos outros.
O governo Vargas valorizava e enaltecia o trabalhador. O malandro, antes tido como um herói esperto e exaltado em tantas composições, passou a ser criticado pela música e reprimido pela polícia. Wilson Batista e Noel Rosa levaram essa mudança para suas canções. Em 1933, Wilson Batista louvou o malandro em seu samba “Lenço no Pescoço”: “Meu chapéu do lado, Tamanco arrastando, Lenço no pescoço, Navalha no bolso: Eu passo gingando, Provoco e desafio. Eu tenho orgulho Em ser vadio! Sei que eles falam Deste meu proceder, Eu vejo quem trabalha Andar no miserê…” Cartaz do DIP de 1939 exalta o trabalho (Foto: Iconographia)
O compositor Wilson Batista (Foto: Reprodução) Noel não tardou a entrar no debate, lançando, no mesmo ano, “Rapaz Folgado”: “Deixa de arrastar o teu tamanco, Pois tamanco nunca foi sandália, E tira do pescoço o lenço branco. Compra sapato e gravata, Joga fora essa navalha Que te atrapalha. Com chapéu do lado deste rata Da polícia quero que escapes Fazendo um samba-canção. Já te dei papel e lápis, Arranja um amor e um violão. Malandro é palavra derrotista, Que só serve pra tirar Todo o valor do sambista. Proponho ao povo civilizado Não te chamar de malandro E sim de rapaz folgado.” Com a implantação do Estado Novo e o surgimento das leis trabalhistas, Wilson Batista acabou se rendendo aos novos tempos. É o que se vê em “O Bonde de São Januário”, gravada em 1940: Quem trabalha é que tem razão, Eu digo e não tenho medo de errar: O bonde São Januário Leva mais um operário, Sou eu que vou trabalhar. Antigamente eu não tinha juízo Mas resolvi garantir meu futuro. Vejam vocês: sou feliz, vivo muito bem, A boemia não dá camisa a ninguém. É, muito bem!
Lamartine Babo e Braguinha (Carlos Alberto Ferreira Braga, também chamado de João de Barro) foram os autores de grandes marchinhas carnavalescas, que exaltavam a mulher e faziam a crônica do cotidiano, superando os sambas na preferência dos carnavalescos. Outros compositores do gênero foram Noel Rosa, Assis Valente e Nássara. Dentre os sucessos, destacam-se “A. E. I. O. U.” (Noel e Braguinha), “Formosa” (Nássara e J. Rui), “Good Bye, Boy” (Assis Valente), “Moreninha da Praia” (Braguinha), “Pirata” (Braguinha e Alberto Ribeiro), “Pierrô Apaixonado” (Noel e Heitor dos Prazeres), “Mamãe, Eu Quero” (Vicente Paiva e Jararaca), “Pastorinhas” (Noel e Braguinha) e “Yes, Nós Temos Bananas” (Braguinha e Alberto Ribeiro).
“Aquarela do Brasil”, de Ari Barroso, ao exaltar nossas belezas e a grandeza do Brasil, foi o primeiro dos chamados samba-exaltação, que logo se tornaram bastante populares e agradaram enormemente as autoridades do Estado Novo.
A mistura de comédias com música fez grande sucesso no cinema desse período. “A Voz do Carnaval”, dirigido por Ademar Gonzaga e Humberto Mauro e lançado em 1933, abriu o ciclo da comédia musical brasileira, elevando Cármen Miranda à condição de grande estrela da nossa música e do cinema. Outros sucessos se seguiram. “Alô, Alô, Brasil” (1935), de Wallace Downey, Alberto Ribeiro e Braguinha, trazia cantores, comediantes e apresentadores do rádio, como Cármen e Aurora Miranda, Francisco Alves, Almirante, Mário Reis, Ari Barroso, César Ladeira, Virgínia Lane e outros. “Alô, Alô, Carnaval” (1936), sequência do “Alô, Alô, Brasil”, teve direção de Ademar Gonzaga e Wallace Downey e foi uma superprodução da Cinédia que apresentava Cármen Miranda, Francisco Alves e Mário Reis como estrelas principais. Típica comédia musical do tempo áureo do rádio brasileiro, trouxe para a tela os grandes astros das emissoras de então, como Lamartine Babo, Almirante, Oscarito e as irmãs Linda e Dircinha Batista. É nesse filme que Cármen e Aurora Miranda cantam “Cantores do Rádio”, de Alberto Ribeiro, Babo e Braguinha. “Banana da Terra” (1939), de Rui Costa, foi o último filme de Cármen Miranda no Brasil, e dele só sobreviveu o trecho em que ela canta “O Que É Que a Baiana Tem?”, de Dorival Caymmi. Foi também nesse filme que Cármen se vestiu de baiana pela primeira vez. Além dela, o filme tinha no elenco Oscarito, as irmãs Linda e Dircinha Batista, Aluísio de Oliveira (do Bando da Lua), Emilinha Borba, Almirante, Alvarenga, Ranchinho, Aurora Miranda, Orlando Silva e Virgínia Lane. “O Descobrimento do Brasil” (1937), de Humberto Mauro, teve apoio do governo brasileiro, por meio do Instituto Nacional do Cinema Educativo, órgão do Ministério da Educação e Saúde Pública, e produção do Instituto do Cacau da Bahia. A pesquisa histórica foi realizada por Edgar Roquette Pinto, Afonso Taunay e Bernardinho José de Souza. O ponto de partida do roteiro foi a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Manuel 1º de Portugal descrevendo as características físicas e humanas das terras descobertas. Suas imagens tentam construir uma representação harmônica do passado. Com trilha sonora de Heitor Villa-Lobos, o filme representou o país no Festival de Veneza de 1938. |